Técnicas Sanguíneas - Capítulo 13 (Início da Parte 2)

No qual Daisuke treina, se alimenta melhor e faz perguntas sobre acordos.

Tempo estimado de leitura 12 minutos

É isso, mundo. Voltamos.

Se você não conhecia Técnicas Sanguíneas, bom, vai conhecer, e estou feliz de te ter por aqui. Caso queria ler os capítulos da parte 1, deixei no fixado do site um índice, assim você não tem que ficar caçando os capítulos no arquivo. Se quiser uma versão mais ágil, também deixei lá um resumão com lista dos personagens .

Eu quero muito ouvir a opinião de vocês sobre a história. Perguntas, teorias, gritos, emojis, qualquer coisa. Assim sendo, responda esse e-mail ou faça o login na versão on-line para deixar um comentário público.

Sem mais delongas… Técnicas Sanguíneas: Sol Cruel

Banner de fundo degradê preto em cima e vermelho escuro em baixo, com vinhas e pétalas douradas espalhadas ao vento, e o título "Técnicas Sanguíneas" em uma fonte serifada, vermelha com efeitos metálicos. Acima e abaixo do título, na cor branca: A. C. Dantas, e parte 2.

Aviso de conteúdo: esta é uma história de vampiros. Sangue e gente escrota manipuladrora são esperados. Para conseguir o que querem, vampiros vão recorrer a técnicas de coerção e manipulação variando desde gaslighting, ameaças, até violência física e psicológica. Podem ocorrer também menções ou alusões a abuso sexual.

Capítulo 13

No qual Daisuke treina, se alimenta melhor e faz perguntas sobre acordos.

Há dois meses, Daisuke não saberia que estava sendo seguido, mas ele aprendia rápido.

O fato de que Haruka o alertara havia ajudado.

— Tente não fazer nada suspeito, meu irmão está mandando o Yukio atrás de você toda noite.

Daisuke não caçava, mas previa que cedo ou tarde precisaria da experiência. Ser seguido por Yukio era uma oportunidade de treinamento. Haruka havia lhe dito que se precisasse de dinheiro podia pedir a ela. Odiava a ideia, mas era “a trabalho”. Comprou um caderno. Nele registrava informações sobre o território de Akihito, visitando as mesmas ruas em horários diferentes para avaliar o movimento, comparando a região das mansões com a área residencial mais modesta que fazia fronteira com o território de Constantino, tomando nota das lojas abertas 24 horas e até dos cachorros que latiam muito.

Foi sem pressa. O importante é que sabia que Yukio estava lá. Esperava que, após retornar aos lugares por onde Yukio o seguira, conseguisse identificar o cheiro do vampiro por cima do seu. As primeiras duas semanas não deram resultado, e foi quando Daisuke percebeu que o cheiro incinerante dos raios solares devia destruir a trilha de uma noite para a outra.

Mudou de tática.

Começou a dar voltas mais sinuosas, cruzando o próprio caminho em algum momento da noite, circulando uma praça ou prédio fazendo parecer que procurava um esconderijo para uso próprio. Ao fazer esse exame cuidadoso aprendeu uma coisa ou outra sobre pontos cegos, mas a ideia não era despistar Yukio: era encontrá-lo.

Finalmente Daisuke começou a sentir um cheiro fraquinho, algo estagnado que contrastava com a brisa da Cidade Alfa, normalmente fresca.

“Então esse é o cheiro dele.”

Provavelmente o aumento na sensibilidade do olfato também estava relacionado com o fato de que agora se alimentava melhor. Ia até Haruka com muito mais frequência do que antes. De fato, só não a procurava mais por medo de drená-la a ponto de fazer a vampira matar outra empregada. Teria menos medo se soubesse que Haruka saía para caçar, mas até agora só a vira deixar a casa com ele, indo para a ópera ou uma galeria de arte ou um shopping de gente rica. Claro que ela podia estar mordendo pessoas nesses lugares, mas achava perigoso tirar conclusões precipitadas.

Na mansão, ninguém comentara sobre o desaparecimento de Hana, mas Yu Jun passara a evitá-lo e, quando isso não era possível, o encarava de forma hostil. Será que ela sabia que a amiga fora transformada, ou achava que Daisuke a havia matado? Se soubesse, estaria com mais ou com menos raiva dele? Queria poder dar notícias de Hana para Yu Jun, mas além de não achar isso seguro — todos os funcionários da casa eram potenciais informantes de Akihito — não recebera nenhum recado de Constantino nos meses desde a transformação de Hana. Claro que não esperava que o líder da maior gangue da cidade fosse lhe mandar notícias frequentes sobre a situação da jovem vampira, mas Daisuke começava a estranhar a demora em cobrar o favor.

“Ou talvez não. Constantino é imortal.”

Esse era um dos novos dilemas da sua vida: não estava mais em greve de fome, nem confraternizando com caçadores de vampiros — as duas direções de onde poderia vir sua morte iminente — então agora podia começar a se considerar imortal. Mas a mentalidade de se apressar e lutar contra o relógio não desaparecia da noite para o dia. Por exemplo, sentira o cheiro de Yukio uma vez, mas ficara frustrado porque no dia seguinte não havia sido capaz de reconhecê-lo de novo. Desde então tivera sucesso outras vezes, mas nunca com consistência. Tentara ficar mais atento à direção do vento, e isso havia ajudado, mas não era o suficiente para poder dizer com 100% de certeza se estava ou não sendo seguido.

Não era o suficiente para dar uma passadinha no território de Constantino e perguntar sobre Hana, e por isso precisava de um celular.

Daisuke no momento queria três coisas. Um celular era a primeira delas, um objetivo de curto prazo. Exceto que não fazia ideia de quanto era “curto prazo” para um imortal. Queria um celular agora, mas um celular não era um caderno: quanto tempo precisaria “mostrar serviço” para que Haruka considerasse adequado colocar na mão dele uma linha telefônica e acesso ilimitado à internet? Mesmo que Haruka não visse problema nisso, duvidava que Akihito fosse aprovar, e Haruka tendia a levar a opinião dele em consideração. Quanto tempo devia se resignar a ficar preparando terreno e sondando Haruka? Um ano ou dois? Dez? Se Haruka estava sendo sincera sobre sua disponibilidade de passar uma década “condicionando-o”, achava razoavelmente seguro assumir que ela não se cansaria de alimentá-lo tão rápido. Mas e depois? Ela pretendia mantê-lo por perto por cinquenta anos? Cem? E depois disso? Será que quando cansasse de morder o próprio punho para que Daisuke pudesse beber Haruka iria matá-lo?

“Uma coisa de cada vez.” O vampiro se forçou a parar com a espiral de pensamentos caóticos. Respirou fundo, porque isso ainda tinha um efeito calmante.

Uma coisa de cada vez, e o celular era a primeira delas.

***

— A senhorita Haruka mandou informar que quer vê-lo.

“Esse” Daisuke refletiu, “seria um ótimo motivo para ter um telefone”. Não teve tempo de transformar o pensamento em um plano sobre como levar o assunto a Haruka, porque sempre que via Yu Jun era acometido por culpa. Aprenderia um idioma novo para poder lidar com as senhorinhas que não falavam português, qualquer coisa para se livrar da mistura de medo e raiva que ela exalava e parecia agredi-lo fisicamente. Daisuke não precisava mais ser escoltado através dos corredores, então Yu Jun se afastou sem olhar pra trás, deixando um rastro perfumado.

“É o sangue dela.” Daisuke fez questão de lembrar a si mesmo. Ele não tinha mais vontade de morder as empregadas, mas mesmo a dependência do sangue de Haruka não conseguia fazer o sangue delas parar de cheirar bem. Especialmente em comparação com o dos outros habitantes da casa.

Depois de dois meses tentando descobrir a presença de Yukio, Daisuke começava a identificar melhor o cheiro dos outros vampiros. Os segunda-classes eram mais fáceis de localizar, mas era difícil saber quem era quem baseado apenas no cheiro. Além de Yukio, três outros frequentavam a casa: Li Iseok, Kamino e Han. Han era o único segunda-classe que morava na casa, e era um remanescente da época de Hong Kong, o que significava que tinha mais de um século de idade. Metade dos terceira-classe da mansão eram dele. Li e Kamino deixavam seus terceira-classes na mansão porque não gostavam de “bancar a babá” — Daisuke pegara alguns terceira-classe brasileiros conversando entre si sobre o assunto. Yukio sempre tinha uma missão ou outra dada por Akihito, mas morava em um apartamento com seus terceira-classes. Fora esses, Akihito devia ter outros dois ou três que Daisuke não conhecia.

Parou diante da porta de Haruka e bateu.

— Entre, Daisuke.

Se perguntava se ela sabia que era ele pelo cheiro, pelo som dos passos, ou alguma outra combinação de dedução e sentidos aguçados. Quando abriu a porta, o cheiro de Haruka o assaltou, mais forte do que o cheiro de qualquer segunda-classe, e mais vivo. Não era a mesma coisa que sangue humano, mas o que faltava ao sangue dela em frescor era compensado com magia sanguínea concentrada.

— Então, Daisuke, o que tem feito de interessante?

Haruka agora o chamava com mais frequência, quase sempre para esses pequenos relatórios, mas também para passeios noturnos mais frequentes.

— Eu descobri que consigo ir da rodovia até o Banks & Darlington em 26 minutos. Eu tenho observado bastante a fronteira com a área neutra, estou começando a ver que caminhos os terceira-classes usam. E hoje eu percebi o Yukio me seguindo.

Daisuke não tinha certeza se Haruka entendia porque ele fazia isso, ou mesmo se ela entendia o que ele estava fazendo. Por exemplo: não sabia se ela era familiar com a rodovia que marcava o limite do território de Akihito ao sul. Os limites municipais da Cidade Alfa iam um pouco além da rodovia, pegando dois bairros periféricos cercados de mato, mas por razões que o Departamento de Contenção de Eventos Paranormais não decifrara em 50 anos de existência, os vampiros paravam na rodovia. O Banks & Darlington era um banco de gente rica, e o prédio mais alto do território de Akihito, na fronteira com a área neutra. Para fazer o trajeto num dia sem trânsito, um carro demorava pouco mais de trinta minutos.

“E eu acho que consigo ir ainda mais rápido.”

Nas últimas semanas andara testando seus limites: tentando chegar rapidamente em lugares distantes e praticando saltar de telhados cada vez mais altos. Descobriu que até o terceiro andar ainda era uma queda confortável; o quarto, um pouco desafiadora; para o quinto andar precisava recorrer às reservas mágicas do sangue que consumia — o que significava ter que se alimentar mais cedo do que previra. Tentava evitar isso. A lembrança do que Haruka havia feito da última vez que estivera exausta o encorajava a manter uma dieta frugal.

— Você não tem ido à área neutra?

Por um instante Daisuke achou que ela estava insinuando que ele ainda estivesse se encontrando com caçadores de vampiros. Ele não faria isso. Só de pensar na lanchonete onde vira Charlotte pela última vez, tinha um calafrio. Esperava que os ex-colegas policiais não o considerassem um traidor, apenas uma perda fatídica.

A expressão de Haruka o trouxe de volta ao presente.

— Não. Eu não quero que um mensageiro do Constantino me aborde enquanto eu estou sendo seguido pelo Yukio.

Queria perguntar a ela se tinha uma noção de por quanto tempo Akihito manteria aquilo, mas ele e sua criadora ainda não estavam exatamente em termos amigáveis. Não saía consultando Haruka, tirando dúvidas, fazendo perguntas.

— E você não tem vontade de visitar os territórios do Weiss e do Angonglô?

Daisuke se empertigou.

— Sobre isso… eu queria saber qual é o seu acordo com eles.

— Quando meu irmão fez uma aliança com eles, ficou decidido que os subordinados um do outro teriam livre movimentação… — parecia que Haruka ia acrescentar alguma coisa, e Daisuke esperou. Nos últimos dois meses, aprendera que era um erro interrompê-la, mesmo por acidente. Quando ela não disse nada, ele olhou para sua criadora com muita seriedade. Na verdade, um pouco de seriedade demais, uma fachada cuidadosa que ele adotava porque Haruka não gostava quando ele apresentava um sorriso cínico.

— Eu sei, Haruka, mas eu não trabalho pra nenhum deles.

Assistir a expressão de Haruka foi como assistir uma flor desabrochando. Não é que ela não sorrisse, era só que os sorrisos dela normalmente eram controlados, predatórios. Esse não. Esse era como uma criança lambuzando a cara de chocolate.

Seria até bonitinho, Daisuke pensou, se a vida dele não dependesse do humor dela. Lembrar Haruka que “eu trabalho para você, não para o seu irmão” sempre tinha resultados positivos, mas não era nem de perto o bastante para fazê-la confiar nele. Confiança não era algo que você ligava e desligava com um interruptor depois de uma declaração de lealdade.

Uma declaração de lealdade obtida ligeiramente sob coerção.

Por dentro, Daisuke suspirou. Por fora, abriu um sorriso enviesado, tentando estabelecer que seu sorriso irônico era uma forma de cumplicidade, e não uma impertinência que devia ser punida mandando-o para a cama sem jantar. Esperou.

— Eu vou falar com Agonglô quando formos à ópera na semana que vem. — Haruka finalmente disse, e Daisuke notou que ela não fez nenhuma menção a falar com Weiss. Assentiu, mas não fez perguntas, apenas acrescentando mais um item à interminável lista “coisas sobre a dinâmica interpessoal dos vampiros que eu não sei se são relevantes ou não.”

— Que dias você quer que eu dirija?

Agora que ele e Haruka se falavam, era mais conveniente saber de antemão que dias poderia ou não ficar vagando pelo território. Evitar mensagens desconfortáveis transmitidas por Yu Jun.

— Não será necessário. — Haruka o surpreendeu com a resposta. — Agonglô mandará o motorista dele.

Daisuke estava prestes a assentir, mas Haruka continuou, aparentemente distraída:

— Você é uma visão deplorável indo e voltando do teatro.

"Eu mereço..."

Daisuke se segurou para não dar um suspiro sofrido. Aparentemente ser o motorista particular dela não era o suficiente. Haruka parecia querer que ele ficasse "apresentável" para abrir e fechar a porta para ela. Se queria que ele usasse um uniforme, boa sorte. Daisuke havia se comprometido a trabalhar pra ela, mas isso não queria dizer que ia se desdobrar para agradá-la. Planejava fingir que não havia entendido a dica até ela se dignar a transformar isso numa instrução específica.

— Nesse caso, acho que vou passar alguns dias fora. — avisou.

— Onde você pretende ficar?

Daisuke deu de ombros.

— Eu não tenho certeza. A ideia é testar se Yukio pretende encontrar um lugar próximo para passar o dia, ou se ele vai sair da minha cola quando o sol estiver pra nascer.

Parecia algo útil de se verificar, e Haruka assentiu. Ficaram alguns momentos em silêncio. Ainda não tinham acertado uma dinâmica para encerrar essas pequenas entrevistas noturnas. Algumas vezes Daisuke havia perguntado se Haruka precisava de mais alguma coisa, e quando ela negara dissera "nesse caso estou indo" — mas a vampira não parecia gostar muito quando ele fazia isso. Exceto que, se ele não fizesse isso, era comum Haruka passar vários minutos em silêncio, com cara de quem queria dizer alguma coisa, mas no fim não dizendo. Aquela noite parecia entrar para a segunda categoria.

Notando de repente a postura tensa de Daisuke, Haruka pareceu voltar de uma sinuosa trilha de pensamentos não compartilhados.

— Você pode ir agora, Daisuke. Boa noite.

Ele se virou para sair, mas lembrou de acrescentar no último minuto:

— Boa noite, Haruka.

Fiquem ligados para o capítulo da semana que vem, no qual Haruka faz acordos e Daisuke aprende uma coisa sobre vampiros.

Join the conversation

or to participate.