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Técnicas Sanguíneas — Intelúdio V
17 meses
Tempo estimado de leitura: 8 minutos
Esse é o último capítulo do interlúdio de “Técnicas Sanguíneas”. A temporada 3 já está toda escrita, e eu já arrumei os conteúdos dos capítulos em post-its para tentar entender onde o ritmo está esquisito, onde eu preciso acrescentar ou cortar coisas, etc. Esse processo de edição já começou, e os primeiros capítulos tem menos coisa pra mexer, então espero que sejam mais rápidos. O problema são os últimos, onde eu sei que tenho muitos buracos narrativos para tapar. Ainda assim, eu acredito que consigo terminar a edição a tempo de publicar em outrubro. Começo de outubro? Fim de outubro? Quem sabe? Certamente não eu. Mas quando eu souber, vocês serão os primeiros a saber.
Enquanto isso, tenho um novo lançamento planejado para o fim de agosto: vou publicar de forma independente o conto “Mãe, irmã, garota mágica”, que saiu originalmente pelo Clube Planetário. Fiquem aqui com uma sinopse:
Como mãe de três filhos, Pâmela tem pouco tempo para diversão e projetos pessoais. Isso muda quando ela encontra um amuleto mágico e recebe os poderes da entidade que o habita. A partir daí, ela passa a reservar uma noite por semana para explorar seus novos poderes, mas acaba atraindo a atenção de outra garota mágica, que está convencida de que ela é hostil.
Mês que vem envio pra vocês a capa e o link para adquirir a história durante o período de promoção. 😎👉👉
Enquanto isso, fiquem com o próximo capítulo de Técnicas Sanguíneas.

Aviso de conteúdo: esta é uma história de vampiros. Sangue e gente escrota manipuladrora são esperados. Para conseguir o que querem, vampiros vão recorrer a técnicas de coerção e manipulação variando desde gaslighting, ameaças, e violência física e psicológica. Podem ocorrer também menções ou alusões a abuso sexual.
V
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— Como ele está?
— Ainda desacordado, Salado.
— Isso não te preocupa? Quer dizer, ele está imóvel a tanto tempo que eu achei que o sensor de movimento estivesse quebrado.
— É claro que eu me preocupo, mas… ele disse que isso ia acontecer, não é?
Charlotte e Salado se encararam, e ela suspirou. Tinha certeza que o cientista a considerava sem coração por se manter estoica enquanto o ex-parceiro definhava em um laboratório convertido em cela no porão, mas ela não estava nem um pouco estoica.
Só estava em pânico com coisas diferentes.
Salado não ia para o campo, ele não tinha memórias das presas escancaradas de um vampiro indo pra cima dele com velocidade sobrenatural. Não se lembrava do olhar confuso e faminto de três humanas sequestradas e mantidas num porão até sua transformação não consensual. Não se lembrava da sensação das presas de Daisuke perfurando seu braço, ou do sangue manchando o chão da lanchonete depois. Salado não havia sido colocado para dormir por um vampiro puro-sangue, descobrindo assim que todo o “treinamento” para resistir à Influência não valia de nada.
Cada dia que Daisuke era mantido no porão do DECEPA era um dia que ele não se tornava o vampiro que assombrava seus pesadelos. Cada dia que ele era mantido sem alimento era um dia que ele ficava mais próximo de perder o controle.
— Da última vez que ele acordou, ele pediu alguma coisa? — Ela fez um esforço para apaziguar o colega cientista.
— Ele perguntou se podia assistir um filme.
Charlotte piscou. Quando Daisuke acordava dos longos torpores causados pela inanição, normalmente pedia para tomar um banho, no máximo uma bebida. Um filme era novidade.
— Ele disse que sentia saudades de ir ao cinema. — Salado continuou.
E então Charlotte se lembrou.
Charly… por que a gente não vai ao cinema?
Da primeira vez que Daisuke contatara a polícia, tentara passar para eles os planos de Akihito. Seu preço como informante era baixo. Só queria a sensação de normalidade de conversar com seus amigos humanos. E ir ao cinema.
Dessa vez, ele se recusara a falar sobre a gangue de Akihito. Também se recusara a falar sobre Haruka. Contara sobre suas aventuras diurnas, coisas que descobrira sobre o sangue primário e sobre Wilson. Já tinham uma dupla investigando que prédios comerciais da zona norte tinham uma torre com números pares e outra com números ímpares. E quando estava acordado, deixava Salado fazer testes nele.
— Não podemos deixá-lo sair.
Talvez há dois anos isso fosse viável, mas agora que Daisuke estava há meses sem se alimentar…
— Eu sei, Charly. Eu sei. Eu falei com o chefe, e vou colocar o projetor pra ele. Da próxima vez que ele acordar.
— Não é melhor colocar o projetor enquanto ele dorme, assim você não tem que entrar lá com ele acordado?
Salado considerou a ideia.
— Você acha que ele está tão fora de controle assim?
— Da última vez, eu ainda nem tinha dado boa noite e ele me cumprimentou sem abrir os olhos. Ele está sentindo o cheiro do sangue de longe.
— Bom, ele é um vampiro…
— Salado, acorda! Ele não estava assim quando apareceu na delegacia. Se naquela época ele conseguia identificar as pessoas pelo cheiro do sangue, ele pelo menos não demonstrava. Então ou os sentidos dele estão ficando mais afiados, ou ele está cada vez menos preocupado em fingir civilidade.
Era um bom argumento.
— Eu ainda acho que a gente podia fazer mais por ele, Charly. Se essa tal Haruka não procurar por ele, ele vai passar o resto dos dias dele aqui. E ele falou que jogou fora o celular que ela usava pra contatá-lo.
— Mas ele não nos conta nada sobre ela. No fundo ele acredita que ela vai achá-lo, e quer poder dizer pra ela que não revelou nenhum segredo vampiro enquanto estava aqui.
— Ele revelou segredos vampiros. Só não segredos dela.
— E por que você acha que ele fez isso, Salado?
— Nem uma vampira puro-sangue seria louca de invadir a delegacia do DECEPA, Charly.
“Jesus Cristo, eu espero que não.” Se a própria sede dos caçadores de vampiros não fosse segura, Charlotte viveria num estado de paranoia ainda pior.
Suspirando, ela apertou o botão que ativava a câmera na cela de Daisuke.
As luzes estavam apagadas, e o modo de visão noturna revelava o quarto acolchoado em preto e branco. No ponto mais afastado da câmera, Daisuke estava apoiado contra a parede. Parara de se deitar poucas semanas depois de “se internar” com os caçadores. Falava que preferia estar sentado quando conversava com eles, mas que se ficasse deitado, chegaria uma hora que não teria energia para levantar. Talvez esse ponto já tivesse chegado, pois a aparência dele era péssima. Ele estava mais magro, as bochechas afundadas, as olheiras profundas.
Charlotte ficou olhando para ele, e depois de vários minutos olhando para o vampiro abatido, ela finalmente conseguiu se lembrar que ele era um homem. Era seu amigo, Daisuke. Seu parceiro de mais de oito anos. Doía vê-lo tão destruído, mas o chefe não concordara que seria mais misericordioso acabar com o sofrimento dele.
Pelo monitor, Charlotte jurou captar movimento, mas o que quer que tivesse sido, terminara rápido. Já estava quase desistindo de examinar a imagem e desligando a câmera, quando notou o que havia mudado.
Daisuke abrira os olhos.
Vejo vocês dia 25/08
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