Técnicas Sanguíneas - Capítulo 8

E aí, pessoal!

2023 começou, e a partir de agora teremos os 5 capítulos que faltam da parte 1 de Técnicas Sanguíneas. Para a segunda parte também espero aprender a utilizar os recursos de dividir o público, assim os capítulos de Técnicas Sanguíneas e meus pequenos anúncios ou textos sobre a vida, o universo e tudo mais não ficam misturados...

Nesse período em que não nos vimos, a Júlia da newsletter Escrito à Meia-noite me tirou no amigo secreto de newsletters, e escreveu uma carta comentando um pouco sobre a história. Estou apaixonada pelos comentários dela, e sinto que alguns desses pontos vão aparecer com mais força ainda nos próximos capítulos.

Eu adoro receber comentários (inclusive, um grande abraço ao Roger, que sempre comenta) e eles me motivam muito a escrever, então não hesitem em me contar qualquer bobeirinha que vocês notaram enquanto liam.

E acho que é isso aí. Fiquem com uma retrospectiva da história até agora, e o oitavo capítulo de Técnicas Sangu

Banner de fundo vermelho escuro, com vinhas e flores douradas, e o título "Técnicas Sanguíneas" em uma fonte serifada, vermelha com efeitos metálicos, meu nome em baixo na cor branca (A. C. Dantas)

Aviso de conteúdo: esta é uma história de vampiros. Sangue e gente escrota manipuladrora são esperados. Para conseguir o que querem, vampiros vão recorrer a técnicas de coerção e manipulação variando desde gaslighting, ameaças, e violência física e psicológica.

Nos últimos capítulos de Técnicas Sanguíneas...

Durante uma operação policial, o caçador de vampiros Daisuke Koyama foi capturado e levado em custódia da vampira Haruka, que o transformou. Graças à habilidade sanguínea de Haruka, Daisuke não pode beber sangue humano, dependendo de sua criadora para se alimentar. Daisuke acredita que é questão de tempo até Haruka começar a cobrar favores em troca de sangue mas, enquanto isso não acontece, tenta uma reaproximação com Charlotte e os outros caçadores de vampiros.

Capítulo 8

 — Posso pegar uma amostra de cabelo?

 — Hm, claro.

 — E… você se importa se eu pegar um pouco de saliva?

 — Tudo bem.

 — E posso…

 — Salado, eu vim aqui exatamente pra você pegar amostras de tudo o que for amostrável.

 Daisuke havia entrado no quartel general dos caçadores de vampiros pela porta dos fundos. Estava tão tenso que Charlotte sentiu a necessidade de passar a mão no braço dele, encorajando-o. E então eles o haviam deixado com Salado do laboratório e dado a eles um pouco de privacidade. Afinal, o médico estava prestes a fazer algumas perguntas íntimas.

 Salado pegou amostras de tudo: cabelos, unhas, saliva… pareceu genuinamente desapontado de saber que um exame de urina era impossível — aparentemente digestão vampírica não funcionava assim — e ficou extático quando Daisuke se regenerou após a biopsia. Daisuke também ficou bastante satisfeito. Nunca havia testemunhado a própria regeneração, era interessante descobrir o quão rápida ela podia ser. A única dificuldade foi quando decidiram coletar uma amostra de sangue.

 Salado começou a encher a primeira ampola — ele planejava pegar quatro — quando sentiu uma presença maligna olhando para ele. Respirou fundo e terminou o procedimento, só então ousando olhar para Daisuke. Pela primeira vez o ex-caçador parecia assustador.  

 — Desculpa, Salado. Eu não imaginava que eu ficaria tão desconfortável em perder sangue.

 — S-sem problemas.

 Houve uma pausa sem jeito, mas Daisuke percebeu, aliviado, que Salado não se sentia ameaçado o suficiente para apertar o alarme e fazer com que um esquadrão inteiro aparecesse para subjugá-lo.

 — Então, que tal uns exercícios na esteira?

 O cientista esperava uma negativa, e estava pronto para guardar seu equipamento e deixar os experimentos para outro dia, quando Daisuke respondeu.

 — Claro, vamos nessa.

 Parecia tão normal, Daisuke pensou, colocando roupas de hospital e tendo eletrodos colocados no peito e testa. Ele percebeu que estava em péssimas condições: começou a se sentir cansado antes mesmo da velocidade que costumava correr quando era humano. Se concentrou em correr, e com alguma força de vontade conseguiu manter aquela velocidade e até aumentar um pouco, e depois um pouco mais. Ele estava gostando tanto disso que a princípio ignorou o efeito colateral.

 — Salado… quando você pretende parar o teste?

 — Hm… eu também estava me perguntando. Sua respiração não mudou e… bem… você não tem batimento cardíaco. O que quer que te dê forças pra se mexer, não é sangue e oxigênio.

 É sangue. — Daisuke apertou o botão, fazendo o aparelho parar. — Só não do jeito que você está acostumado. — Ele se sentou. Não respirava com dificuldade, mas apresentava outros sintomas de exaustão. — Eu estou morrendo de sede. Como se eu não me alimentasse há um mês.

 “Estranho pensar que eu sei o que é passar um mês sem me alimentar.”

 Bocejou.

 — Salado, o sol está nascendo?

 — Sim, como você… ah.

 — Você me deixou correr a noite toda?

 — Você parecia estar se divertindo.

 “Eu estava”. Daisuke admitiu para si mesmo. Talvez devesse parar de ser tão teimoso e começar a usar a academia no porão de Akihito. Bocejou de novo.

 — Posso dormir aqui hoje?

***

 Quando Daisuke acordou, Salado o esperava no corredor.

 — Bom… dia?

 Daisuke deu de ombros.

 — Eu não socializo com sanguessugas, não sei o que eles dizem.

 Não sabia o quanto de suas conversas com Charlotte haviam sido repassadas para o cientista de plantão, mas Salado não fez nenhum comentário. Começaram a andar lado a lado na direção do laboratório, e Daisuke gostou da maneira como isso transmitia companheirismo, cumplicidade.

 — Você está disponível pra fazer mais testes hoje?

 — É melhor não. Eu sempre volto pra mansão do Akihito depois de passar o dia fora. A última coisa que eu quero é eles estranhando uma mudança de comportamento.

 Salado assentiu.

 — Daisuke, eu preciso fazer uma pergunta. Por favor não se ofenda.

 — Hm?

 — Se tiver uma próxima vez, eu posso colher outra amostra de sangue?

 Surpreendentemente, Daisuke riu.

 — Não é uma pergunta ofensiva. — tornou a ficar sério. — Mas é muito desconfortável. Não fisicamente, é mais… um instinto. Eu acho que dá pra deixar você tirar um frasquinho, e só.

 — Só me dê uns meses, e daqui a pouco vou ter uma tese sobre os padrões comportamentais dos vampiros também.

 Foi num humor leve que Daisuke deixou a delegacia de eventos paranormais. Eles não o haviam assassinado durante o sono, nem tentado mantê-lo no laboratório contra sua vontade — pelo contrário, as interações haviam sido extremamente agradáveis — então estava otimista sobre seu relacionamento com os caçadores. Tanto que achou seguro finalmente escolher um telefone público permanente para suas comunicações. Estava tão entretido nessas considerações, começando a pensar se era conveniente pedir para Haruka alimentá-lo, que demorou para entender a consternação no rosto de Hana quando entrou na casa.

 — Graças a Deus, senhor Daisuke!

 “Cristianismo ou força da expressão?”, se perguntou, ainda num humor especulativo.

 — A senhorita Haruka ficou preocupada quando você não voltou ontem. Ela disse para te levarmos até ela assim que você aparecesse. ユジュン、菊ばあさん、山田さん、見つけた! — ela gritou para a casa, e uma senhora de meia idade apareceu na porta da casa, lançando um olhar penetrante para Daisuke e fazendo um sinal de positivo para Hana antes de tornar a desaparecer nos corredores.

 — O que aconteceu?

 — Onde você esteve? — em vez de responder, Hana o questionou, acompanhando-o no caminho para o quarto de Haruka.

 — Na área neutra? Eu tenho alguns esconderijos por lá. — Era quase verdade.

 — E você não viu nada?

 — Eu vim direto pra cá…

 Hana parecia disposta a dizer mais, mas haviam chegado. Daisuke entrou sozinho.

 Haruka estava empertigada sobre suas almofadas, e parecia prestes a passar um sermão.

 “Acho que nada de sangue hoje.”

 — Você realmente veio direto do seu esconderijo pra cá?

 Claramente a vampira conseguia ouvir o que conversavam nos corredores próximos a seu quarto. Não era como se suas conversas com Hana tivessem grandes segredos ou críticas ferrenhas à gestão de Haruka, mas ainda assim ele se perguntou o quanto ela sabia sobre ele e outras coisas que se passavam na casa e não deixava transparecer. Voltou sua atenção ao presente, antes que Haruka achasse que estava ignorando a pergunta dela.

 — Sim. Assim que eu acordei. O que aconteceu?

  Haruka pareceu aliviada, mas não aliviada o bastante.

 — Você não foi pego nos conflitos?

 — Que conflitos?

 Finalmente o alívio dela foi completo. Ela riu e se reclinou contra as almofadas.

 — Você é tão avoado, Daisuke. Os capangas do meu irmão estão planejando um confronto com Wilson já faz semanas. Eu estava com medo que o Aki tivesse colocado você para lutar junto com os subordinados dele, mas acho que você estava muito distraído com suas próprias coisas. Olha, é melhor se você não sair até as coisas terem se acalmado. A área neutra não vai ser assim tão neutra por um tempo.

 Esse era o tipo de coisa que os caçadores de vampiros teriam gostado de saber. E também era o tipo de coisa que os novatos do grupo estariam sussurrando na academia e outras áreas comuns, muitas vezes em português.

 “Eu acho que devia fazer um esforço pra passar mais tempo com os sanguessugas.” Daisuke pensou com um suspiro interno.

 Como Haruka havia especificamente pedido que ele ficasse na casa, e no momento haviam tão poucos vampiros na propriedade que sua ausência seria facilmente notada, Daisuke ficou de molho. Foram três noites para as coisas começarem a retomar a aparência de normalidade: os subordinados de Akihito voltavam em duplas e trios, parecendo cansados e mal-humorados, quando não mostrando ferimentos visíveis. E nem todos voltaram. Mesmo sem interagir direito com eles Daisuke reconhecia a ausência de alguns rostos.

 — Eles perderam? — perguntou a Hana.

 — Eu não sei. Os vampiros da casa não conversam muito com a gente.

 Era verdade. Daisuke estava acostumado a não lidar muito com as senhoras mais velhas por causa da barreira do idioma, mas Yu Jun e as outras moças mais novas só interagiam com ele a pedido de Haruka. Hana era claramente uma exceção. A outra era uma velhinha muito enrugada e encurvada em quase noventa graus. Tinha a impressão de que essa era a “vovó Kiku” que Hana mencionava às vezes. Nas noites após o ataque, vira a velhinha falar com alguns segunda-classe mais velhos, preocupada com alguma coisa. O que quer que ela estivesse perguntando, a resposta era negativa, e a conversa acabava ali. Na quarta noite, um vampiro que Daisuke reconhecia como o atual braço direito de Akihito voltou para a mansão. Tinha quase certeza que o nome dele era Yukio. Ele não tinha nenhum ferimento visível, mas o que Daisuke observara nos outros o levava a crer que o vampiro devia ter passado tanto tempo fora porque estava se recuperando de alguma coisa.

 お兄ちゃん!

 A velhinha se lançou ao encontro dele com energia. O vampiro respondeu alguma coisa reconfortante, devolvendo o abraço, mas por cima do ombro dela lançou um olhar penetrante na direção de Daisuke.

 O ex-caçador entendia. Se afastou depressa, se sentido um pouco culpado por interromper um momento de família. Aquela velhinha que podia facilmente ter oitenta ou noventa anos chamara Yukio de “onii-chan”. Irmão mais velho.

 Juntando trechos de conversas espalhadas ele conseguiu entender o suficiente. A gangue de Akihito havia vencido, mas todos estavam chocados com o quão difícil fora. Wilson tinha menos gente, e eles não eram mais fortes que a média das forças de Akihito, mas haviam feito muito dano. Eles apareciam cruzando rotas que deveriam ter sido secretas, atacando esconderijos, e tinham contramedidas para cada estratégia. Ninguém sabia como isso era possível, e o clima na casa era pesado.

 Quando Daisuke foi até Haruka buscar sua porção de sangue, aproveitou para perguntar se ela já achava seguro ele voltar a frequentar a área neutra. Nem que não tivesse os caçadores de vampiro para encontrar, ainda gostaria de sair de perto dos ares opressivos da mansão.

 — Você demorou mais para vir. — a vampira comentou.

 — Eu me distraí. Com essa coisa da gangue do seu irmão.

 O olhar que Haruka lhe lançou era indecifrável. Por via das dúvidas, decidiu esperar mais uma noite antes de sair.

***

 — O Salado disse que todos os seus tecidos estão mortos.

 No Stravo’s, Daisuke bebia de canudinho o milkshake de caramelo que Charlotte lhe comprara. Se dependesse dele, nunca desceria ao nível de pedir dinheiro a Haruka.

 — Por alguma razão essa descoberta não me surpreende.

 — Você pretende ir ao laboratório de novo? — quando Daisuke assentiu, ela continuou, rindo — Ele tentou descrever todos os testes que ele queria fazer, mas eu fiz ele parar. Estava ficando enjoada só de ouvir.

 Riram mais um pouco, e Daisuke aproveitou para perguntar sobre a família dela.

 Charlotte não respondeu.

 “Mas ela também não se retraiu nem fez careta.”

 — Charly?

 — Ah, desculpa. Eu me distraí. Você estava dizendo?

 Ele pensou em repetir a pergunta, mas de repente se sentiu constrangido. E se Charlotte ainda preferisse mantê-lo longe dos assuntos de sua família?

 — Aconteceu alguma coisa? — ele perguntou em vez disso.

 — Eu estou só preocupada. Um carregamento de munição amaldiçoada desapareceu. Achamos a maioria das balas no local de uma briga de gangues de vampiros. O grupo do Akihito estava envolvido.

 Agora Daisuke entendia porque a gangue de Akihito sofrera tantas perdas.

 — Eu me pergunto como Wilson fez isso… — colocar as mãos em um carregamento de munição amaldiçoada não devia ter sido fácil. Será que Wilson conhecia médiuns fora da polícia que poderiam encantar as balas, ou fora um trabalho interno? Os caçadores de vampiros eram mais suscetíveis a Influência do que gostariam de acreditar? Havia entre eles um espião agindo sob ordens vampíricas, ou um mercenário disposto a vender equipamento apenas pelo lucro?

 — Peraí. Eu nunca disse que foi o Wilson. A gente estava teorizando, mas não tinha certeza. Você sabia sobre a luta?

 Um único deslize, Daisuke pensou. Um único deslize, e ele estava mais uma vez sob a mira metafórica dos caçadores.

 — Eu… eu descobri quando eu voltei. Haruka me chamou, e isso não é normal. Ela queria checar se eu não tinha sido pego nos conflitos, e me mandou ficar na moita por uns dias.

 — É por isso que você não ligou, e nem atendeu o orelhão?

 Ele sabia que a pergunta real era “E desde quando você faz o que ela manda?”. De repente ele se sentiu cansado demais para explicar que fazia isso para evitar que seus pequenos encontros fossem descobertos.

 Devia haver um vestígio de conexão entre ele e sua ex-parceira, pois Charlotte desviou o olhar.

 — Desculpa. Eu imagino que seja difícil pra você.

 — Não tão difícil quanto poderia ser. Mas eu tento ser cuidadoso.

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