Técnicas Sanguíneas — Capítulo 36

No qual Daisuke e Yukio voltam à velha rotina.

Tempo estimado de leitura: 16 minutos

Pois é.

Daisuke está de volta ao serviço de Haruka, e dessa vez ele está determinado traumatizado a agradar sua criadora.

Eu quis fazer mistério naquele comecinho de capítulo com a Yu Jun, vocês acharam que era a Haruka indo pessoalmetne na delegacia? Diz que sim, vai kkkk Se não, o que denunciou? Eu deixei várias pistas.

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Aviso de conteúdo: esta é uma história de vampiros. Sangue e gente escrota manipuladrora são esperados. Para conseguir o que querem, vampiros vão recorrer a técnicas de coerção e manipulação variando desde gaslighting, ameaças, e violência física e psicológica. Podem ocorrer também menções ou alusões a abuso sexual.

Capítulo 36

No qual Daisuke e Yukio voltam à velha rotina.

Quando Haruka os liberou da Influência, os caçadores desceram a colina e entraram na viatura correndo por suas vidas. Não era necessário. A atenção de Haruka não estava mais neles, e se ela não tinha interesse neles, os dois segunda-classe só lhes dispensariam o mínimo de atenção necessário para garantir que eles não mudavam de presas para ameaças em potencial.

O barulho dos pneus esmagando o cascalho desapareceu, e Haruka continuou olhando para a paisagem.

— Kim, vá buscar o carro.

Kim assentiu e lançou apenas um olhar atravessado para Daisuke antes de deixá-los a sós. Pelo visto, ele também se tornara mais dócil ao longo dos últimos dois anos.

— Você vê aquelas casas?

Haruka ergueu o queixo, indicando um condomínio de sobrados um pouco além dos limites do campo de golfe. Não eram tão impressionantes quanto os casarões próximos à mansão de Akihito, mas para a maioria dos habitantes da Cidade Alfa eles ainda se enquadravam na categoria “casa de gente rica”. Daisuke assentiu.

— A última à direita, na segunda fileira.

Daisuke ainda não estava plenamente recuperado, então o sobrado que Haruka indicava era apenas um borrão de paredes salmão nos limites de sua visão, mas ele via que ao redor da casa havia um terreno vazio e uma área verde além dos limites do condomínio.

— Ela será minha até o final do mês.

Daisuke se virou para Haruka tão rápido que sentiu o pescoço protestar.

— Haruka, como… ? — Não tinha certeza se a pergunta seria encarada como um desafio, mas não podia evitar. Fazia muita diferença se Akihito havia comprado uma casa para ela, ou se ela estava fazendo isso com os próprios recursos.

— Mais tarde, Daisuke. Quando estivermos sozinhos.

Assim que ela disse isso, o som do carro se aproximando chegou aos ouvidos de Daisuke.

“Se ela não quer que Kim ouça, é uma boa notícia.”

Significava que não estava fazendo isso com a aprovação ou sequer com o conhecimento de Akihito. Significava que ela não desconsiderara totalmente os avisos de Daisuke.

“Bom.”

Seria mais fácil servir a uma Haruka que queria independência do irmão do que uma que o admirava cegamente.

***

Kim abriu a porta do carro para Haruka, e houve um momento de indecisão por parte dos dois segunda-classe quanto a onde Daisuke devia se sentar. Haruka resolveu a questão ordenando que ele viajasse com ela.

Assim que o carro começou a se moveu, Haruka informou:

— Eu vou levá-lo até a mansão para que meu irmão e os homens dele saibam que eu te trouxe de volta, mas você ainda tem uma missão para cumprir hoje.

— Certo. O que você quer que eu faça?

Haruka sorriu ao ouvir isso, e por dentro Daisuke suspirou. Estava determinado a não desgastar seu relacionamento com ela tão cedo. Enquanto Haruka estivesse satisfeita com essas demonstrações de prontidão e lealdade, estava seguro.

— Vou querer que você busque seu celular no território de Constantino.

Daisuke assentiu, e então parou. Haruka sabia que seu celular estava com Hana. Olhou pra ela, inúmeras perguntas em mente, mas o medo de parecer impertinente e a proximidade de Kim seguraram sua língua. Uma questão, no entanto, era importante:

— Durante o meu banimento o meu acordo com ele ficou suspenso.

Isso fez Haruka erguer as sobrancelhas.

— E ela continuou lá? — ela omitia o nome de Hana para diminuir os riscos, caso Kim estivesse prestando atenção na conversa.

— Ele transferiu o acordo diretamente pra ela.

— Isso te incomoda.

— Sim.

Dois anos atrás, Constantino havia dito que na impossibilidade de cobrar favores de Daisuke pela estadia de Hana, ele as cobraria da própria garota.

— Quê? — Daisuke ainda estava com a briga com a gangue de Wilson agindo intensamente em suas veias. — Ela não pode fazer essas coisas, ela nunca teve treinamento de combate!

Constantino se inclinara pra ele, a postura o lembrando de que não era sábio usar esse tom com um líder de gangue no coração de seu território.

— Nenhum dos meus filhos teve, Daisuke. Nenhum dos homens de Wilson, Weiss e Agonglô. A maioria dos vampiros dessa cidade viu uma arma fora da televisão pela primeira vez quando um caçador apontou uma pra eles. Você esteve atirando em civis a sua carreira inteira, e se meus filhos podem passar por isso, a sua filha também pode.

Daisuke pensara muito nessa frase nos últimos dois anos. Inúmeras vezes pensara em trazer o assunto à tona com Charlotte, ou mais provavelmente Salado, mas no fim desistira. Apesar de amigável, nem o cientista da polícia seria capaz de olhar pra vampiros e enxergar civis.

Mesmo que no fundo soubesse que Constantino estava certo, torcia pra Hana não ter precisado fazer nada violento. Ela vivera entre vampiros a sua vida toda, mas protegida contra os aspectos brutais. Brigas de gangue para ela eram noites de vigia nas quais alguns imortais majoritariamente anônimos acabavam não voltando pra casa. Parecia errado que além de matá-la Daisuke a fizesse sujar as próprias mãos.

Ficou em silêncio, aguardando o veredito de Haruka.

— Eu não vou trazê-la para o meu séquito. — ela disse finalmente,

Daisuke assentiu. Não esperava isso, não sabia nem se queria isso. Não queria que Hana também vivesse na constante ameaça de ter a cabeça arrancada se desagradasse Haruka. Continuou esperando.

— Mas eu vou permitir que você retome o acordo com Constantino, contanto que isso não atrapalhe seus deveres comigo. Será uma boa forma de monitorar as atividades do nosso vizinho.

— Certo. — Daisuke conseguia sentir a tensão deixando seu corpo de forma palpável. Por segurança, acrescentou: — Obrigado, Haruka.

***

Quando o carro parou à porta da mansão, havia uma plateia aguardando os resultados da expedição de Haruka. Akihito não estava lá, mas Li Iseok, Kamino e Yukio observavam do batente da porta. Ao lado deles, um segunda classe brasileiro que Daisuke ainda não tinha visto, claramente desconfortável entre seus pares séculos mais velhos. Os terceira-classe formavam uma pequena multidão no portão e telhado.

— Daisuke. — Haruka indicou a porta.

Ele entendeu a deixa. Saiu do carro e deu a volta para abrir a porta pra ela, enquanto Kim levava o carro para a garagem. Foi quando notou a multidão. Engoliu em seco. Os policiais haviam lhe providenciado roupas limpas, mas ainda estava magro demais e amarrotado, e agora seria exibido para toda a gangue de Akihito. Precisavam vê-lo servindo Haruka, pra que soubessem que sua sentença havia terminado.

Então Daisuke serviu Haruka. Abriu a porta pra ela com uma reverência, e quando ela começou a jornada até a casa, como uma rainha subindo no palanque para chegar a seu trono, ele a seguiu se mantendo a uma distância respeitosa. Os terceira-classe se curvaram, e a multidão se abriu para ela. Os segunda-classe inclinaram as cabeças, mas não demonstraram tanta deferência assim. Daisuke sentiu uma onda de antipatia por eles. Se Akihito soubesse dividir os brinquedos, talvez Haruka nunca o tivesse recrutado.

— Senhorita Haruka, — como favorito de Akihito, era Yukio quem transmitia os recados — o mestre gostaria de saber se a senhorita o acompanharia para o chá.

Haruka abriu seu sorrisinho predador.

— Hoje não. Eu estou… — lançou um olhar de soslaio nem um pouco discreto na direção de Daisuke — …indisposta.

— Devo enviar um recado à criadagem?

— Não será necessário. Kim fará isso.

Foi sutil, mas Daisuke podia jurar que houve uma troca de olhares entre Li e Kamino. Essa era uma ótima pergunta: como os segunda-classe que permaneciam com Akihito enxergavam o colega “dado” a Haruka?

Dentro da mansão, Daisuke acompanhou sua criadora até o quarto dela, e observou enquanto ela se reclinava contra almofadas bordadas. Ficou lá, fingindo paciência, até que ela o dispensasse. Isso só aconteceu depois da vários minutos, quando Kim bateu à porta dela.

Haruka o mandou entrar.

— Kim, você veio direto da garagem até aqui?

— Sim, senhorita Haruka.

— E o trajeto da garagem até o meu quarto demora tudo isso?

Ele hesitou. Talvez tivesse achado que Haruka estaria distraída com Daisuke.

— Não, senhorita.

— O que você fez durante o trajeto?

— Eu… eu parei para responder uma pergunta do Li.

— Entendo. — O tom de Haruka era venenoso. — Daisuke, você pode ir agora. Resolva logo a tarefa que te passei.

— Certo. Com sua licença.

Quando Daisuke fechou a porta do quarto atrás de si, ouviu o barulho de um corpo atirado no chão com força.

***

Os portões da mansão de Akihito não se abriam para segunda-classes. Para suas excursões noturnas, os vampiros considerados inferiores precisavam pular o muro.

“Muito exercício para um homem se recuperando de uma longa convalescença.” Daisuke pensou ao cruzar o jardim.

Ele não tinha a menor intenção de sair pulando entre prédios usando a velocidade vampírica. Começou uma caminhada entediante na direção da área neutra, quando uma intuição o fez parar. Apressou o passo, mudou de direção. Encontrou uma loja que abrira durante sua ausência e fingiu examiná-la. Checou discretamente seus pontos cegos.

Foi meio caminho até o território de Agonglô — sempre na sua velocidade de caminhada — antes de dar uma volta que cruzava seu próprio caminho. Não conseguia sentir o cheiro de Yukio, mas sabia que ele estava lá. Teve uma ideia e, mesmo sabendo que se arrependeria, estava sem outras opções senão tentá-la.

Haruka havia dito que a Influência era como ativar o poder do sangue e enviá-lo para os pensamentos, em vez dos músculos. Daisuke se concentrou em seus sentidos.

Todo o seu corpo protestou, a lembrança da inanição ainda muito vívida, mas o truque funcionou. O cheiro de Yukio agora desenhava um mapa claro de onde o vampiro estivera, e Daisuke começou a seguir esse rastro.

“Eu espero muito que quando eu voltar a Haruka esteja disposta a me dar um segundo round, porque essa definitivamente não era minha ideia de como passar a noite.”

Depois de quatro voltas, Daisuke sentia as pernas bambearem de fome, mas se convenceu de que ainda não estava no fundo do poço. A essa altura, Yukio devia ter percebido que Daisuke o notara. Se não se afastasse, Daisuke não iria para seu destino final, e ambos os puro-sangue ficariam contrariados: Haruka quando Daisuke não fizesse o que ela havia instruído, Akihito quando Yukio não tivesse nada a reportar. Claro que o plano de Daisuke não dependia de Yukio chegar à mesma decisão e decidir lhe dar espaço.

O plano de Daisuke dependia do horário do caminhão de lixo.

Respirou pela última vez antes de invocar a velocidade sobrenatural e passar pela viela entre dois prédios bem a tempo de pular na caçamba do caminhão de lixo. Yukio não acompanhou seu movimento súbito, baixara a guarda achando que Daisuke não estava em condições de se locomover a grandes velocidades.

O segunda-classe de Akihito hesitou em seguir Daisuke pela viela. Não devia ser visto, e se fosse imediatamente, com certeza seria. As rotas alternativas pareciam lentas demais, especialmente se Daisuke fosse continuar a correr. O tempo que levou para escolher um curso de ação e executá-lo foi o suficiente para o caminhão chegar no fim da rua e, se Yukio captou o cheiro de Daisuke em meio ao lixo, não arriscou uma abordagem. Daisuke esperava que não chegasse nesse ponto, mas um caçador de vampiros podia matar um segunda-classe em uma emboscada e, se Yukio tentasse invadir a caçamba imunda e apertada, achava que daria conta dele.

Foram 40 minutos de vigília tensa até o caminhão de lixo chegar ao território de Constantino, onde Yukio não entraria mesmo que o tivesse acompanhado de longe.

Quando Daisuke pulou pra fora do caminhão, esperou uns quinze minutos depois do do veículo sair de vista antes de respirar, na esperança de que o cheiro tivesse ido embora junto.

Inspirou.

“Merda.”

Agora que tecnicamente não tinha um acordo com Constantino, Daisuke não tinha certeza de qual seria sua recepção no território. E já tinha sido humilhado o suficiente perante Haruka e os subordinados de Akihito. Se pudesse terminar a noite sem ser interceptado pela família de Constantino fedendo como um gambá, se consideraria no lucro.

Sob o estresse da fome que retornava mais cedo do que o esperado, Daisuke não pensou muito, apenas fez.

Convocou Hana.

Nos vemos no capítrulo da próxima semana, no qual Daisuke aprende sobre seu sangue primário.

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