Técnicas Sanguíneas — Capítulo 34

No qual Haruka busca informações

Tempo estimado de leitura: 15 minutos

E aí, o que vocês acharam do capítulo anterior? Ficaram felizes de ver o Daisuke? Eu consegui transmitir bem a mecânica do que acontece com um vampiro que fica muito tempo sem sangue?

Eu tinha mencionado isso na temporada 1, quando o Daisuke se recusava a beber o sangue da Haruka. Conforme os vampiros vão ficando sem energia, eles começam a ficar sonolentos e não acordar, mas durante esses períodos vão juntando energia, pra então terem um pico de atividade para caçar e conseguir resolver a falta de sangue. Se eles não caçarem durante esse pico de energia, o próximo período letárgico é ainda mais longo, e os picos de energia também ficam cada vez mais curtos. No capítulo anterior, nosso menino Daisuke não ficou acordado por três horas inteiras.

Lembrando que, se você quiserem ver os pontos de vistas de outros personagens durante o tempo que ele ficou majoritariamente desacordado, existem 5 capítulos de interlúdio disponíveis no arquivo da newsletter.

Eu adoraria ouvir as opiniões de vocês, seja como resposta desse e-mail, seja nas redes sociais usando a hashtag #TécnicasSanguíneas.

Lembrando que, se você ainda não assina Técnicas Sanguíneas, está perdendo a oportunidade de ter acesso aos e-books das temporadas anteriores.

Banner com fundo degradÊ preto em cima e azul em baixo, mostrando o título em vermelho "Técnicas Sanguíneas, parte 3, memento mori, de A C Dantas" com vários espinheiros no fundo.

Aviso de conteúdo: esta é uma história de vampiros. Sangue e gente escrota manipuladrora são esperados. Para conseguir o que querem, vampiros vão recorrer a técnicas de coerção e manipulação variando desde gaslighting, ameaças, e violência física e psicológica. Podem ocorrer também menções ou alusões a abuso sexual.

Capítulo 34

No qual Haruka busca informações

Haruka não usava o celular do mesmo jeito que uma pessoa moderna. Pra começar, não tinha a menor preocupação em bloquear a tela quando deixava o telefone de lado para fazer outra coisa. Não que ela não se preocupasse com a própria privacidade, mas tinha uma imagem a manter. Kim era seu servo, e ela não podia demonstrar vergonha ou preocupação na frente dele. É claro que ele também era servo de Akihito, e por mais que ela se esforçasse para manter o segunda-classe em rédeas curtas, sempre havia a possibilidade dele se encontrar com Akihito e relatar tudo o que ela estava fazendo. E por isso Haruka aderira a emojis.

Num aplicativo de anotações, uma nota repleta de bolinhas azuis ou vermelhas, marcando as vezes em que Akihito a havia chamado para seu escritório, e havia ou não lhe oferecido uma bebida. Uma bolinha roxa denotava um terceiro caso: vezes em que Akihito estava bebendo, mas não lhe oferecia nada. Esse tipo de situação havia se tornado mais comum nos últimos meses, como se o irmão quisesse convencê-la de que era um comportamento absolutamente normal, e que não havia sentido em suspeitar quando ele lhe oferecia uma bebida.

Exceto que havia.

Wilson tentara oferecer a Daisuke uma bebida batizada com sangue. Ele estava tentando ativar uma técnica sanguínea. Como Daisuke era alérgico a todo sangue que não pertencia a Haruka, não puderam descobrir quais eram os poderes dele, mas o paralelo era óbvio. Akihito oferecia bebidas a todas as pessoas que precisava convencer. Potenciais parceiros de negócios, vampiros que o rivalizavam pelo território… mas também para seus subordinados mais leais e para a irmã. Era por isso que Haruka não conseguia ter certeza. Acreditava que, se Akihito tivesse uma técnica sanguínea, seus pais teriam notado. Ele certamente teria lhe contado, os dois sempre foram tão unidos!

Individualmente Haruka até conseguia justificar cada comportamento dele, mas era o conjunto que não fazia sentido. Se ele gostasse de imitar o hábito humano de beber para socializar, por que beber com inimigos e rivais? Se ele tivesse uma técnica sanguínea para convencer as pessoas a magicamente concordar com ele, por que usá-la nos segunda-classe, que já lhe deviam obediência devido ao sangue primário? Não acreditava que o irmão fosse usar uma suposta técnica sanguínea nela, mas mesmo que ele fosse inescrupuloso a esse ponto, não haveria necessidade. Podia contar nos dedos de uma mão a quantidade de vezes em que se desentenderam em seiscentos anos! Então por que oferecer uma xícara de chá ou uma garrafa de saquê cada vez que ela o visitava em seu escritório? Só por desencargo de consciência começara a desconversar quando Akihito a convidava para o chá, e ia tomando notas.

Naquela noite, era ela quem havia procurado Akihito.

“Ele nunca vem para o meu quarto, sempre eu para o escritório dele.”

Poderia argumentar que ela nunca o convidava para vir a ela, mas isso era por si só uma parte da dinâmica de poder. Era ele quem fazia as convocações, e quando ela vinha sem ser chamada era quase sempre na posição de suplicante.

“Bom, querendo ou não, é a casa dele.”

Mas também haviam morado juntos em Hong Kong, e naquela época dividiam tudo. As diversões, os planos, os perigos. Sim, ela havia ficado física e emocionalmente abalada pela traição dos seus segunda-classe, mas não era feita de vidro. Por quanto tempo Akihito continuaria a tratá-la como uma peça decorativa?

“Ele só está preocupado comigo.”

Tinha orgulho de ser uma pessoa tão ponderada, e contava com essa reserva de calma e compostura para extrair algumas respostas do irmão.

— Aki… você sente alguma coisa quando um dos seus segunda-classe morre? Uma perturbação na ligação sanguínea ou algo assim?

— Você está com medo que o Daisuke tenha morrido.

— Você não precisa soar tão animado com a ideia, sabe…

Ele deu de ombros, se recusando a parecer apologético. Fez uma última anotação em seu laptop e fechou-o, agora pronto para dar toda a atenção à irmã.

— Aconteceu alguma coisa?

— É o que estou tentando descobrir. Já faz um ano e meio, irmão. Kim mal aguentou um ano, e eu enviava sangue para ele. A essa altura eu esperava que Daisuke já tivesse vindo se arrastar aos meus pés.

— E o telefone que você deu a ele? Você já tentou ligar?

— Não, Aki. É ele que tem que vir até mim.

***

Enquanto nenhuma notícia chegava por Akihito, decidiu que era conveniente checar outras fontes. Hesitou em mandar Kim com uma mensagem, mas raciocinou que o irmão sempre a encorajava a aceitar os convites de Agonglô para a ópera e outras funções sociais, então não acharia estranho se os dois estivessem se comunicando.

Prezado Agonglô,

Você se considera um tradicionalista? Celulares são tão mais práticos do que fazer seus servos correrem pela cidade inteira levando recados. Então, a não ser que você goste de fazer as coisas à moda antiga, acho que isso tornará a comunicação mais eficiente.

XXXXX-XXXX

Cordialmente,

Haruka.

Ela escreveu, na sua caligrafia ocidental que parecia copiada de um livro. Não achava que a melhor caneta tinteiro se comparasse à fluidez e expressividade de utilizar um pincel, mas sabia que a falta de prática não ajudava seu caso. Havia negligenciado a assimilação a seu novo país por tempo demais. Estava se tornando uma relíquia, e precisaria se esforçar para recuperar o tempo perdido.

Ordenou a Kim que entregasse a mensagem com o máximo de urgência, e ficou satisfeita quando seu celular vibrou trinta minutos depois.

Número desconhecido:

Olá, Haruka.

Seu mensageiro perguntou se deveria esperar para levar uma resposta, então suponho que ele não soubesse o conteúdo da sua missiva.

Devo mantê-lo em ignorância?

Haruka sorriu. Era bom saber que Kim não lera sua correspondência pessoal, apesar dessa ocorrência em particular não ser prova de que ele não o fazia em outras ocasiões. Salvou o contato de Agonglô. Isso era muito mais direto e confortável do que ficar enviando mensageiros pra lá e pra cá. Além disso, gostava de como outro puro-sangue tinha o raciocínio rápido e parecia sempre pronto para propor uma parceria lucrativa ou algum plano escandaloso.

Haruka:

Isso seria perfeito.

Me convide para a ópera.

Agonglô:

Ousada!

(risos)

Haruka hesitou. De fato se sentia mais ousada, mas de repente temia que estivesse passando dos limites. Ficou olhando para o celular, pensando se seria educado oferecer uma explicação, mas se recusando a soar apologética. Depois de alguns minutos o aparelho vibrou.

Era uma ligação.

— Seu subordinado acaba de partir daqui com instruções de transmitir meu convite para a temporada de ópera. — Agonglô disse, assim que ela atendeu. — Agora é o momento para a comunicação secreta que seu segunda-classe não pode saber que estamos tendo?

“Não seria um problema se ele fosse meu segunda classe…” Haruka pensou, mas em voz alta foi direto ao assunto.

— Sim. Eu agradeço pela discrição. Gostaria de saber se Daisuke foi avistado em algum lugar do seu território.

— Ele fugiu?

Essa não era uma pergunta normal de se fazer. Qualquer puro-sangue manteria por perto os segunda-classe ligados a si através do sangue primário. A pergunta era um indicativo de que Akihito falara não só dos poderes da irmã, mas da fraqueza que os acompanhava.

— Eu o bani. — Ela respondeu com um pouco mais de frieza. — Ele deveria estar implorando pelo meu perdão a essa altura, e o fato de que ele não o fez me leva a crer que esteja morto ou incapacitado em algum lugar.

— Entendo… Não, não fui comunicado da presença dele em nenhum lugar do território, mas farei com que meus subordinados fiquem atentos.

— Obrigada.

— É um prazer. Espero vê-la na ópera em breve.

— Ora. — Haruka deu seu sorrisinho predador — Até o fim da temporada você vai se cansar de mim.

***

Enquanto esperava notícias de seu segunda-classe, Haruka saía para caçar com cada vez mais frequência. Algumas vezes aproveitava para Influenciar um vendedor desatento durante uma viagem de compras, mas cada vez mais ia às ruas. Isso parecia deixar Kim nervoso, e ela gostava tanto disso que às vezes saía até quando não se sentia no humor. Quando caçava na rua, fazia o segunda-classe guardar o perímetro. Mesmo mais poderosos que a maioria dos vampiros, até um puro-sangue baixava a guarda ao se alimentar, e a estratégia era padrão ao caçar em um território novo ou hostil.

“Exceto que eu nem estou caçando em ‘território hostil’…” Haruka pensava, num misto de diversão e irritação. Até agora se mantivera no território do irmão, mas não podia continuar assim pra sempre. É por isso que precisava de Daisuke.

Quando as informações continuaram não chegando, Haruka percebeu que tinha duas escolhas: expandir sua rede de contatos, ou contatar Daisuke diretamente. E ela sangraria até a última gota antes de deixar uma aberração, um vira-latas e um segunda-classe descobrirem que ela não tinha sangue primário.

Ligou para ele.

Ele não atendeu imediatamente, e Haruka a princípio se ofendeu, e então se preocupou. Após quase dois anos, ele podia muito bem estar desacordado e incapaz de se mover. Suas preocupações foram interrompidas por uma voz inesperada.

Daisuke havia deixado o telefone com Hana.

Por um lado, pelo menos não havia mostrado a Daisuke que o queria de volta. Por outro lado, isso não mudava o fato de que não sabia onde encontrá-lo.

***

Sua resposta veio através de Alana. Haruka havia lhe contado que Agonglô a convidara para a temporada da ópera, e ela viera para fofocar. Três passos atrás dela vinha a ex-policial de cabelo raspado. A amiga de Daisuke.

Colocou um cilindro de música em seu gramofone. Alana era fascinada com o objeto. Encobertas pela gravação, um vampiro parado na porta não conseguiria ouvir com clareza o que diziam.

— Alana, sua segunda-classe costumava se encontrar bastante com Daisuke. Eu gostaria de fazer algumas perguntas a ela.

Como normalmente acontecia, a segunda-classe havia ficado no jardim, interagindo com os subordinados de Akihito.

— Agora? — Alana perguntou.

— Não existe tempo como o presente.

Alana assentiu e adotou uma expressão distante. A princípio Haruka estranhou, mas instantes depois ouviu passos no corredor, e antes que batessem à porta ela entendeu. Akihito fazia uma uma versão muito mais comedida da mesma expressão quando convocava os próprios segunda-classe, mas ele tinha séculos de prática a mais que Alana.

— Com licença? — Nathalie falou, na porta. — Você chamou?

— Nathalie. Haruka tem algumas perguntas para te fazer. Você vai responder qualquer coisa que ela te perguntar, prontamente, e sem mentiras.

A segunda-classe estremeceu, visivelmente sentindo a ação do sangue primário.

“Exibida cretina.” Haruka pensou, mas se conteve. Tinha que aproveitar a oportunidade.

— Daisuke te disse para onde ele foi?

— N-não.

— Nenhuma pista, nenhuma indicação?

— Ele não me contou que foi banido, eu… eu só percebi quando ele ficou mais de um mês sem se comunicar.

“Então é isso.” Haruka pensou. “Beco sem saída.”

Ficou vários minutos em silêncio, se forçando a manter uma expressão distante e calma, mas fervendo por dentro. Enfim sua frustração foi interrompida pela pergunta de Nathalie.

— H-há quanto tempo ele está banido?

— Vão fazer dois anos.

Nathalie ficou horrorizada. Ergueu os olhos para Haruka, cautelosamente, para não parecer que a desafiava.

— Se você o encontrar, você vai alimentá-lo?

— Isso depende dele.

Nathalie engoliu em seco. Falou, cuspindo as palavras como quem tinha medo de mudar de ideia no meio do caminho:

— Eu acho que sei pra onde ele teria ido.

Esperava ter tomado a decisão correta.

Nos vemos no capítulo da semana que vem, no qual Daisuke não se orgulha de si mesmo.

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