Técnicas Sanguíneas - Capítulo 12 (Season finale)

Banner de fundo vermelho escuro, com vinhas e flores douradas, e o título "Técnicas Sanguíneas" em uma fonte serifada, vermelha com efeitos metálicos, meu nome em baixo na cor branca (A. C. Dantas)

Aviso de conteúdo: esta é uma história de vampiros. Sangue e gente escrota manipuladrora são esperados. Para conseguir o que querem, vampiros vão recorrer a técnicas de coerção e manipulação variando desde gaslighting, ameaças, e violência física e psicológica.

Capítulo 12

 Daisuke conduzia Hana pelas ruas da cidade.

 “Para onde?”

  A zona neutra ao norte não parecia segura o suficiente. Dezenas de vampiros de cada facção passavam por lá toda noite, e não podia arriscar que Akihito descobrisse sobre ela e mandasse matá-la. Além disso, ela precisaria de orientação. Territórios, como e onde caçar, como tirar manchas de sangue do tênis… olhou pra trás, pela primeira vez notando que a jovem ainda usava uma yukata simples e os chinelos que não riscavam o chão de madeira. Dentro da propriedade de Akihito ela era invisível, mas no meio da cidade era só uma questão de tempo até começar a atrair olhares. Devia ter se demorado o suficiente para permitir que ela trocasse de roupa. Ela devia ter roupas ocidentais para alguma ocasião que requeresse sair da casa, certo?

 Hana estava ofegante.

 — Desculpe. — Daisuke desacelerou e soltou a mão dela. Pararam um pouco, escolhendo um beco escuro de onde tinham uma visão privilegiada da rua. — Você está bem?

 Ela continuava tentando puxar ar, sem muito sucesso.

 — Sabe, você não precisa respirar de verdade, é só um hábito. Se você concentrar, hmm, na energia, vai se recuperar mais rápido.

 Era difícil tentar explicar pra ela coisas para as quais ele nem tinha um nome. Será que os vampiros “de verdade” — os que estavam no jogo há mais tempo — tinham um jargão especializado para isso? Depois de alguns instantes Hana pareceu se recompor.

 — D-Daisuke… pra onde estamos indo?

 — Leste. — Ficou surpreso com a própria resposta. A leste, o território de Akihito fazia fronteira com o de Constantino.

 O velho vampiro era alguém que Daisuke admirava. Não porque ele tratava os membros de sua gangue como uma família — isso era um pouquinho psicopata — mas porque todos os seus “filhos” respeitavam regras. Numa gangue tão grande quanto a dele, isso era um feito. Mesmo os terceira-classe, que não estavam sob seu comando direto, raramente causavam problemas. Se algum dos seus saísse da linha, os caçadores de vampiros podiam simplesmente dar um aviso, e ele mesmo investigaria o caso. Se seus filhos fossem culpados, eram punidos — por ele próprio ou pelos caçadores, quem encontrasse o infrator primeiro. Se não fossem, os caçadores recebiam informações o suficiente para retomar a investigação em outro território. Constantino era um homem decente, Daisuke havia decidido enquanto ainda era humano.

 Ele parou na rua que dividia os dois territórios, novamente segurando Hana pela mão. Não conseguia localizar nenhum humano tentando pegar o último ônibus da madrugada, e nenhum vampiro espreitando seu próximo lanche.

 — Com licença? Eu não queria invadir assim, mas precisava falar com Constantino. — Ele disse em alto e bom som. Nada aconteceu. Avançou dois blocos além da fronteira e repetiu o aviso. Quando era humano não tinha que se preocupar com nada disso, mas sabia que a causa mais comum para vampiros matarem uns aos outros era invasão de territórios.

 Finalmente uma vampira apareceu, caminhando devagar pela rua deserta. A aproximação da mulher ruiva o enchia de apreensão. Coisa de vampiro? Talvez não. Ela a reconhecia como uma das filhas mais velhas de Constantino, sempre soube que ela era uma vampira antiga e, por inferência, poderosa. Pela primeira vez sentiu curiosidade de saber o quanto mais velha ela era. Constantino estava na cidade desde a época dos senhores de engenho. Será que ela era outro remanescente daquele tempo?

 — Mensageiro do Akihito?

 — Não. — alguma coisa no tom dela dizia que “ser do Akihito” não seria exatamente um bilhete de boas vindas naquele território. Outra razão pela qual Daisuke gostava de Constantino.

 Ela o olhou de novo, reparando no pingente de identificação que Daisuke ainda usava ao redor do pescoço. Ele não havia percebido que estava passando os dedos pela corrente, num tique nervoso.

 — Você era um caçador de vampiros.

 Ele assentiu.

 — A vida dá voltas, não? — Como ele não respondeu, a vampira indicou Hana. — Ela é sua?  

 — Sim.

 — E você? Se não é do Akihito, de quem você é?

  Como a vampira não parecesse convencida, explicou.

 — Eu sou da Haruka.

 A vampira achou graça.

 — Então ela morde! Ela te mandou aqui?

 — Mais ou menos. Ela me mandou encontrar um lugar para a Hana. Akihito não vai deixar um vampiro que não seja dele ou da Haruka ficar.

 — E você decidiu trazê-la aqui.

 — Posso falar com o Constantino?

 A vampira o examinou durante o que pareceu uma eternidade, e o rosto dela não traiu suas conclusões. Finalmente falou:

 — Muito bem. Você sabe o caminho? — e, quando ele assentiu — Ela já se alimentou?

 Ele não havia pensado nisso. Quando ele acordara depois da transformação estava com fome, mas não queria ceder e acabara conhecendo níveis superiores de inanição. Não esperava que Hana quisesse seguir o mesmo caminho. Balançou a cabeça.

 — Eu não sei se meu pai vai deixar ela ficar, mas acho que pelo menos posso mostrar nossa hospitalidade levando ela para caçar. Quando terminarmos eu levo ela de volta pra você.

 Daisuke agradeceu. Internamente, racionalizava que se quisesse matá-los, a vampira não precisaria de todo esse teatro. Ninguém o incomodou enquanto se dirigia ao prédio de fachada histórica de onde Constantino conduzia suas operações. O prédio nem era histórico de verdade, aparentemente o líder vampiro o escolhera porque tinha nostalgia da estética.

 — Ah, o caçador de vampiros!

 Daisuke não acreditou por um segundo que Constantino estava feliz em vê-lo, mas o velho vampiro soou tão caloroso que não pôde evitar um sorriso. Tão diferente da época em que era um caçador. O vampiro recebia seus visitantes no pátio interno do edifício, iluminado por lâmpadas tão potentes quanto holofotes. Portas, arcos e a escrivaninha de Constantino ficavam posicionados atrás das fontes de luz, de forma que para um humano seria difícil saber se outros vampiros estavam no recinto durante a reunião com o líder da gangue. Agora que era um vampiro, os olhos de Daisuke conseguiam corrigir a luminosidade agressiva do pátio para um nível suportável — a única luz intensa que lhe causaria problemas era o sol.

 — Você me reconheceu, ou seus filhos correram pra te avisar enquanto eu estava a caminho? — Quando era humano, a sensação de estar diante de um predador natural jamais lhe permitiria falar com o vampiro nesse tom amigável. Sabia que o vampiro era poderoso, mas comparado com Akihito e Haruka a aura de Constantino era tão acolhedora!

 — Os dois. Eles disseram que um ex-caçador estava vindo, mas assim que você entrou eu te reconheci do caso das trigêmeas.

 Daisuke assentiu. As três mulheres não eram irmãs, mas haviam sido transformadas por membros da gangue de Constantino na mesma noite. Fora um negócio extremamente irregular. O DECEPA enviara uma unidade em busca das vítimas dos sequestros recentes. Quando os caçadores de vampiros chegaram, foram atacados. Três vampiros morreram, e três vampiras haviam sido transformadas. Como todo confronto com a gangue de Constantino, alguém tinha que ir explicar ao velho vampiro porque alguns de seus descendentes estavam mortos. Daquela vez fora Daisuke.

 — Ahn… como elas estão?

 — Fantásticas. Elas se adaptaram mais rápido do que eu esperava, dadas as circunstâncias.

 “As circunstâncias” sendo seu sequestro, transformação não consensual, e impossibilidade de tornarem a ver seus parentes e amigos humanos. Daisuke sentiu uma explosão de empatia por elas. Constantino pareceu notar.

 — E você, criança? Eu suponho que também não tenha sido fácil pra você.

 A pergunta pegou Daisuke de surpresa. Era diferente de quando Charlotte e os caçadores faziam essa pergunta. Aliás… não lembrava se eles haviam feito essa pergunta. Gostava de acreditar que sim, mas por cima da frustração de sempre ser questionado sobre os movimentos do bando de Akihito era difícil se lembrar.

 — Eu… me sinto bastante desorientado.

 — Sua mãe não tem te ensinado?

 Revirou os olhos. Haruka não era uma mãe. Constantino não esperou resposta.

 — E agora você tem uma filha, e não pode ensinar a ela as coisas que você mesmo não sabe. Por que você a criou?

 — Porque ela pediu. E como ela morreu por minha causa, eu achei que devia isso a ela.

 O outro vampiro ponderou essa declaração em silêncio.

 — Muito bem. — Disse por fim. — Eu posso ficar com ela no meu território e criá-la com os meus filhos. O que você vai me oferecer em troca disso?

 Constantino era acolhedor, sim, mas Daisuke não era um dos seus. Isso era apenas uma transação comercial.

 — Eu não tenho muito o que oferecer, só eu mesmo. Eu suponho que de vez em quando você precise de alguém pra fazer as tarefas sujas e perigosas que você não quer dar para os seus filhos. Eu posso fazer essas.

 — E o que sua mãe vai pensar disso?

 A vontade de gritar “Ela não é minha mãe!” era gigante, mas além de infantil, não era bom contrariar um dos cinco vampiros que controlavam a cidade. Daisuke se lembrou de sua promessa para Haruka.

 Eu vou trabalhar pra você. Não vou te trair.

 — Minha prioridade é resolver os assuntos dela. Mas ela não precisa de mim o tempo todo.

 — Barbara, ótimo timing! — Constantino cumprimentou alguém atrás de Daisuke. Ele se virou e encontrou a vampira ruiva e Hana paradas sob um dos arcos. Hana parecia consideravelmente mais animada, apesar do olhar de gazela assustada. — E você deve ser Hana. Pelo que eu entendo, você passará um tempo conosco.

 Se Barbara estava surpresa, não demonstrou, apenas assentiu com um sorriso. Daisuke, por outro lado, deu um suspiro aliviado. Hana se aproximou dele enquanto Barbara e Constantino discutiam alguma coisa em voz baixa.

 — Eu vou ficar aqui, então?

 — Sim. O território dos Constantino é o lugar mais seguro que eu consigo pensar, então fique aqui, siga as regras dele, e tudo vai ficar bem.

 Ela assentiu e cruzou os braços como se sentisse frio.

 — Bom, eu suponho que você queira voltar pra casa antes do sol nascer. — Constantino comentou, e Daisuke percebeu, alarmado, que realmente faltava pouco para o amanhecer. Além disso, não era exatamente uma maneira sutil de dizer que a visita já tinha se prolongado demais.

 O ex-caçador agradeceu mais uma vez, e se pegou brincando com a plaquinha de identificação novamente. Por um lado, estar em “território inimigo” o deixava nervoso. Incrível como vampiros eram criaturinhas territorialistas. Por outro lado, não estava nem um pouco ansioso para voltar para o lado de Haruka.

 — Espera. — teve uma ideia súbita. Tirou o pingente do DECEPA e entregou-o a Hana. — Cuida dele pra mim, ok?

 Ela respondeu “ok”, mas a expressão dela não parecia muito ok. Antes que Daisuke pudesse perguntar a ela o que a incomodava, Barbara se moveu na direção dele, deixando-o imediatamente em guarda.

 — Eu te acompanho até a saída.

 Não teve escolha a não ser acompanhá-la. Barbara andava na frente dele, distante o suficiente para que não fosse possível manter uma conversa. Dar as costas para Daisuke também demonstrava que ela não estava nem um pouco preocupada que ele pudesse atacá-la. Confiança nas próprias habilidades, e não na integridade dele.

 Quando chegaram na fronteira entre os territórios, Barbara parou. Daisuke atravessou a rua.

 — Como contatamos você quando for hora de cobrar o favor? — a vampira perguntou.

 A pergunta o pegou de surpresa. Agonglô e Weiss mandavam emissários diretamente para a casa de Akihito, mas é claro que eles podiam fazer isso porque os três tinham uma aliança. Um emissário de Constantino não seria tão bem recebido.

 — Eu… eu vou pensar num jeito.

 — Arranje um celular! — Barbara instruiu, um traço de risada na voz, e desapareceu.

 Daisuke olhou na direção em que ela sumira. O leste já começava a clarear.

 Algumas horas atrás achava que por não poder beber sangue humano ele era um vampiro inofensivo. Agora já havia causado a morte de uma garota, colocado outro maldito chupador de sangue no mundo, e se comprometido a atuar em brigas de gangue.

Fora uma noite longa.

FIM DA PARTE 1

Então é isso. Vocês acompanharam Técnicas Sanguíneas por um pouquinho mais que três meses (ou guardaram para ler tudo de uma vez, não julgo) e chegamos ao fim da parte um.

"Noite sem fim" cobriu a jornada do Daisuke desde a sua transformação forçada até o momento em que ele aceitou trabalhar para a Haruka.

Agora que ele aceitou sua condição de vampiro, na parte dois podemos esperar muito mais interação com a Haruka e os outros vampiros da mansão e territórios vizinhos. O único problema é que eu ainda não tenho uma previsão de lançamento para a parte dois. Raios, eu não tenho nem um nome para ela! Se dependesse de mim eu chamaria de "Sol cruel", mas só vou descobrir se ele nome encaixa depois que ela estiver pronta.

Então enquanto essa parte dois não sai, a newsletter volta a ser apenas uma coisa ocasional. Semana que vem teremos uma edição especial onde eu conto sobre tudo que estive aprontando em janeiro, e depois disso nos despedimos por um tempo, até a pŕoxima fornada de novidades.

Semana que vem também é meu aniversário, e seria um ótimo presente se vocês pudessem comentar suas impressões sobre Técnicas Sanguíneas.

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