Técnicas Sanguíneas - Capítulo 11

Eu acho que vocês sabem o que acontece hoje.

Banner de fundo vermelho escuro, com vinhas e flores douradas, e o título "Técnicas Sanguíneas" em uma fonte serifada, vermelha com efeitos metálicos, meu nome em baixo na cor branca (A. C. Dantas)

Aviso de conteúdo: esta é uma história de vampiros. Sangue e gente escrota manipuladrora são esperados. Para conseguir o que querem, vampiros vão recorrer a técnicas de coerção e manipulação variando desde gaslighting, ameaças, e violência física e psicológica.

Capítulo 11

 Quando Daisuke voltasse para aquele quarto, ele seria um assassino.

 Não interessava que era Haruka quem ia matar a garota, ele havia sido o instrumento escolhido para isso. Ela ia morrer porque Daisuke a escolhera a morrer. Com um aperto no peito, percebeu que já sabia quem “ela” era.

 Daisuke encontrou outras mulheres nos corredores, mas não olhava os rostos delas. Apenas respirava, sentia que o perfume do sangue não era o que estava procurando, e seguia em frente. Cogitou procurar a vovó Kiku. Será que se fizesse isso Yukio o mataria? Mas a senhorinha não falava português, e parecia errado — quer dizer, mais errado ainda — levar uma pessoa para a morte sem poder dizer para ela que era exatamente isso que estava acontecendo. Além disso, parecia muito baixo decidir que uma vida valia menos que a outra porque tinha mais anos deixados para trás do que pela frente.

 — Senhor Daisuke? — Yu Jun o chamou, fazendo-o se virar.

 Podia ser ela. Por que não ela? Por que não ela, em vez da única pessoa que conversava com ele dentro da casa?

 — Senhor Daisuke? — a voz dela tremeu um pouco, e essa era a resposta de Daisuke. Yu Jun tinha medo dele.

 — Yu Jun… você viu a Hana por aí?

 Hana não.

 Yu Jun lhe indicou uma direção. Ele agradeceu e retomou sua busca. Começou a temer que estivesse demorando demais, que Haruka achasse que ele não estava levando a tarefa a sério. A vampira estava enfraquecida, mas ele não duvidava que ela ainda pudesse quebrar todos os seus ossos mais uma vez.

 Foi interrompido por um aroma familiar. Acabara de virar um corredor, e tinha a impressão que uma pessoa usando perfume forte havia passado um longo tempo ali e acabara de sair. Olhou para o chão. Acabara de ser limpo. Daisuke seguiu o rastro de limpeza até onde Hana se encontrava com um esfregão.

 — Hana.

 A garota pulou, derrubando o balde com água e os produtos de limpeza.

 — Senhor Daisuke. — Ela disse quando se acalmou. Tinha uma mão sobre o coração disparado. Daisuke se surpreendeu com o fato de que podia ouvir os batimentos cardíacos. — O senhor está tão silencioso.

 — Eu sinto muito.

 — Não foi nada. — Ela começou a recolher a bagunça no chão, mas Daisuke a interrompeu.

 — Hana. Haruka disse pra eu trazer uma das empregadas.

 A moça assentiu, deixando o esfregão e o balde onde estavam. Começou a se dirigir ao quarto de Haruka sem hesitar, e Daisuke se sentia a pior pessoa do universo.

 — Hana… Se você for lá, você vai morrer.

 — Oh.

Isso teve o poder de fazer ela parar. O pulso dela acelerou de novo, e Daisuke podia perceber um levíssimo tremor nas mãos dela. Hana tentava se controlar, mas o perfume do sangue dela estava tingido de medo. Não tinha medo de vampiros, mas a morte era outra história. O cheio provocava reações em Daisuke. Se sentia hipersensível às reações dela, e se ela corresse, acabaria dando o bote.

 — Eu posso encontrar outra pessoa. Não tem que ser você.

 — Não… tudo bem. — Ela engoliu em seco. Voltou a andar em silêncio, e Daisuke decidiu dar a ela algum espaço.

 — Senhor Daisuke?

 — Pois não?

 — Quando eu morrer… será que você pode me trazer de volta?

 Daisuke precisou de alguns momentos para processar o pedido.

 — Você quer ser uma vampira.

 — Querer é uma palavra forte. Mas eu só não queria… acabar.

 Ele quis perguntar se ela não tinha nenhuma crença sobre vida após a morte, mas decidiu que seria indelicado. Hana ia morrer porque ele a escolhera. Porque ele a escolhera para satisfazer algum escrúpulo moral estranho. Ela havia crescido numa casa cheia de vampiros, devia ter tido muitas oportunidades de pensar sobre uma possível transformação. Talvez até de inquirir a respeito, quem sabe? O fato era que ela considerava essa uma opção melhor do que a morte, e ele não podia julgá-la.

 E ainda assim…

 — Eu não sei como isso funciona, mas eu vou fazer o possível.

 O coração dela continuava disparado, mas ela não estava mais tremendo. Chegaram ao quarto de Haruka.

 — Entrem. — A voz da vampira veio clara, antes que um deles pudesse anunciar sua presença. Daisuke desejava não ter sido incluído no convite. Tantas coisas passavam pela sua cabeça ao mesmo tempo. Não queria ver a morte de outro ser humano, já bastava a consciência de que seria culpa dele. Mas talvez, exatamente por isso, fosse seu dever assistir? Uma decência mínima, uma demonstração de respeito por Hana? Exceto que havia prometido trabalhar para Haruka, e entendia que isso significava entrar de cabeça no mundo dos vampiros. Existia alguma norma social para assistir outro vampiro se alimentando? Sabia que ele não gostaria de testemunhas quando se ajoelhava diante de Haruka pra implorar pelo sangue dela.

 Hana estava diante de Haruka, ajoelhada, e a vampira se inclinou para ela. Daisuke sentiu outra curiosidade crescer dentro de si. O pescoço de Hana era tão convidativo. Ele nunca havia mordido um pescoço, e sequer percebeu que começara a salivar enquanto Haruka procurava o ângulo certo, a posição ótima ao longo das veias. E então o cheiro de sangue se intensificou, e Haruka estava bebendo.

 Mesmo Haruka sendo uma vampira puro-sangue com séculos de idade, a entrega com a qual ela se debruçava sobre Hana parecia tão vulnerável. Daisuke pressentia que durante todo o tempo em que estivesse se alimentando, a vampira não notaria o movimento ao seu redor. Não conseguia culpá-la, mesmo ele tinha dificuldade de prestar atenção em qualquer outra coisa.

 Parecia que as duas estavam travadas naquele abraço mortal há uma eternidade, ou pelo menos muito, muito mais tempo do que Daisuke costumava ficar com Haruka. Até que finalmente a vampira abriu os olhos e apoiou Hana no chão com suavidade. Os olhos dela haviam estado fechados o tempo todo, e Daisuke sequer reparara quando o coração dela havia parado de bater. Haruka parecia tão melhor, o rosto corado, cheia de energia. Ele decidiu falar antes que perdesse a coragem.

 — Haruka? Ela me perguntou se eu poderia transformá-la em vampira.

 A vampira olhou para o cadáver, uma expressão indecifrável nos olhos, e voltou-se para ele.

 — E o que você respondeu?

 — Eu não sabia se você ia permitir. Eu disse que faria o possível.

 Haruka pareceu satisfeita com a resposta, e Daisuke sentiu uma tensão invisível deixá-lo. Essa era sua vida agora, garantir que Haruka estivesse sempre satisfeita… e caso ela não estivesse, torcer que ele não fosse a causa.

 — Eu permito. Você sabe como fazer?

 Ele não sabia.

 Haruka explicou que ele só precisava dar à garota algumas gotas do seu sangue.

 — Quando eles já estão mortos o sangue age mais devagar. Se eles estão muito vivos, às vezes o sangue simplesmente não faz efeito. O ideal é transformar eles vivos, porém enfraquecidos.

 Bom, Daisuke pensou, agora era tarde pra isso.

 Daisuke mordeu o próprio pulso. Doía pra caramba. Olhou de soslaio para Haruka. Ela fazia isso toda vez que precisava alimentá-lo. Apoiou a cabeça de Hana com a outra mão, de uma forma que sua boca se abrisse levemente, e deixou o sangue cair até as quatro marcas de mordidas em seu braço começarem a se regenerar.

 — E agora?

 — Nós esperamos. — Haruka deu de ombros — Quanto mais tempo entre eles morrerem e serem transformados, pior. Algo a ver com dano cerebral. Perda de memória, funções motoras, essas coisas. Eventualmente eles se recuperam, mas demoram um pouco mais para se adaptar. No caso dela foram apenas alguns minutos, então você não precisa se preocupar.

 Daisuke assentiu.

 O sangue havia parado de gotejar, e ele continuava aninhando a cabeça de Hana em seu colo esperando por uma reação, qualquer coisa.

 — Olhe. — Haruka apontou, depois de um tempo. As marcas de mordida no pescoço de Hana começavam a se fechar muito lentamente.

 — Ela não vai acordar?

 Haruka deu de ombros.

 — Tente chamá-la. Ela provavelmente vai te ouvir. — Havia alguma coisa no tom de Haruka quando ela dizia isso, mas Daisuke estava ansioso demais com a transformação de Hana para prestar atenção.

 — Hana?

 Um apertar de lábios.

 — Hana, você consegue me ouvir?

 Um fôlego sôfrego. O peito dela voltara a subir e descer. O coração nunca voltaria a bater.

 — Senhor Daisuke?

 — Eu acho que a gente realmente podia deixar de lado as formalidades. — Ele tentou brincar, mas Hana começava a se sentar olhando ao redor com a expressão espantada de quem acorda em um quarto de hotel e demora alguns segundos para se lembrar de como foi parar lá.

 — Daisuke. — Haruka falou, desviando a atenção dele da vampira recém-transformada. — Eu deixei você transformá-la, mas essa casa é do meu irmão. Ele não gosta que meus segunda-classe criem novos vampiros.

 “Você podia ter me dito isso antes…” Daisuke respirou fundo. Não precisava do ar exceto para falar, mas o movimento era reconfortante, familiar. Não devia brigar com Haruka.

 — Eu vou arranjar um lugar pra ela ficar. Fora do território dele, se for preciso.

 Haruka assentiu, e ele tomou Hana pela mão.

 — Vamos.

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