Técnicas Sanguíneas - Capítulo 19

Sobre os territórios de Agonglô e Weiss.

Tempo estimado de leitura: 9 minutos

Eu admito: minha ideia de uma pegadinha de 1º de abril é enviar o capítulo pra vocês às sete da noite em vez das sete da manhã. Desculpa se isso causou algum inconveniente. (Porém se você gosta TANTO da minha história que um atraso de doze horas te deixou triste, eu me sinto muito feliz kkkk).

Como já faz um tempo, talvez vocês não lembrem, mas eu falei que a cada sete capítulos ia fazer uma semana de pausa para um boletim informativo dos meus outros assuntos de escrita. Assim sendo, semana que vem tem e-mail, mas não tem capítulo.

Banner de fundo degradê preto em cima e vermelho escuro em baixo, com vinhas e pétalas douradas espalhadas ao vento, e o título "Técnicas Sanguíneas" em uma fonte serifada, vermelha com efeitos metálicos. Acima e abaixo do título, na cor branca: A. C. Dantas, e parte 2.

Aviso de conteúdo: esta é uma história de vampiros. Sangue e gente escrota manipuladrora são esperados. Para conseguir o que querem, vampiros vão recorrer a técnicas de coerção e manipulação variando desde gaslighting, ameaças, e violência física e psicológica. Podem ocorrer também menções ou alusões a abuso sexual.

Capítulo 19

Sobre os territórios de Agonglô e Weiss.

A fronteira entre o território de Akihito e o de Agonglô era a divisa entre o bairro residencial de gente rica e o bairro comercial de gente rica, mas o território do vampiro africano se estendia também para uma zona cheia de parque e áreas verdes, pontilhadas por conjuntos habitacionais de classe média e o comércio que permitia que estes funcionassem. Visitava bastante a região quando era vivo.

“‘Quando eu era vivo’ é uma frase tão engraçada.” Ele pensou para si mesmo sem humor nenhum.

Sempre que atravessava a avenida que separava os dois territórios, tirava alguns minutos para observar a fronteira. Do lado de Akihito, um dos terceira-classe mais antigos caminhava calmamente pela calçada, usando fones de ouvido. Do lado de Agonglô, uns dois ou três quarteirões adiante, dois vampiros estavam sentados em uma sacada, conversando entre si. Sequer contava como “vigilância”, uma indicação de que as duas gangues tinham um relacionamento razoavelmente pacífico.

Daisuke cruzou a avenida.

Só porque Yukio não o seguia para o território de Agonglô, não queria dizer que Daisuke ficasse sozinho. Antes que avançasse dois quarteirões notou uma comoção às suas costas. Pelo visto o "treinamento" com Yukio fora eficaz. Não era senioridade ou puro favoritismo que o tornava o braço direito de Akihito.

"Ele é praticamente um ninja."

Pelo menos em comparação com os subordinados de Agonglô que o acompanhavam de um ponto fora do seu campo de visão com toda a sutileza de um mamute. Os terceira-classe tinham um cheiro mais fraco, porém eram mais desastrados na sua movimentação.

Talvez essa fosse a origem da arrogância de Akihito: todos os seus segunda-classe eram habilidosos, e podia dizer o mesmo sobre os terceira-classe mais antigos. Li, Han e Kamino treinavam suas crias, e os testavam para garantir que os ensinamentos haviam sido absorvidos. Agonglô podia ter mais subordinados em números, mas numa guerra entre gangues duvidava que isso fosse ser uma vantagem tão grande assim. Podia lidar com um terceira-classe de Agonglô quando era humano. Tudo bem, naquela época teria uma pistola com balas amaldiçoadas, mas a ausência da arma era mais do que compensada pelos novos poderes sobrenaturais, certo?

Decidiu ignorar seus perseguidores. Apesar do que dissera a Haruka, não se apressou para ir conhecer Weiss e transmitir a mensagem dela. Estava dando ao território de Agonglô o mesmo tratamento lento e cuidadoso que dera ao de Akihito. E às vezes parava sua exploração aleatoriamente, só para mexer com a cabeça dos vampiros que moravam lá, como as três noites que passou deitado na grama no meio de um parque. Fizera questão de chegar cedo — precisara colocar um despertador no celular para garantir que conseguiria acordar. Ok, talvez três despertadores — e ficar lá até a hora em que a proximidade do nascer do sol o forçava a sair. No terreno aberto, nenhum vampiro tinha coragem se aproximar dele, e havia alguma coisa profundamente divertida em sentir a vigilância enfraquecendo conforme os subordinados de Agonglô ficavam confusos e cansados.

— O que você está fazendo? — finalmente um dos segunda-classe se dirigiu a ele. A pergunta foi lançada de uma certa distância, em voz alta, mas sem gritar. Mesmo sem a audição vampira o som se espalhava na quietude da noite.

O vampiro que o chamara era um homem magro, de pele marrom clara, o rosto mais marcado pela idade do que a maioria dos vampiros que Daisuke encontrara até agora.

— Nada. Só usufruindo do acordo de livre circulação entre os territórios.

— Você não pode caçar aqui.

— Eu sei. Eu não vou caçar.

"Eu não posso caçar." É claro que não diria isso ao vampiro. Se os subordinados de Agonglô não sabiam que ele era um subordinado de Haruka e o que isso significava, não estava com pressa para esclarecer o mal entendido.

— Você está chegando assim que o sol se põe e indo embora antes do sol nascer. Você precisa caçar em algum momento. — O vampiro insistiu.

"Eu preciso?" Daisuke deu de ombros. Era um questionamento interessante: com que frequência os vampiros normais, os que não eram afetados pelo poder inconveniente de Haruka, caçavam?

— Você era policial, não era?

A pergunta trouxe um aperto na boca do estômago de Daisuke. Como mecanismo de defesa, devolveu sem pensar:

— Eu era. E você, era o que?

— Pedreiro.

Os dois pareciam igualmente surpresos com o rumo da conversa.

— Há quanto tempo foi isso?

— Trinta anos. Eu ajudei a construir a Capelinha.

Daisuke olhou para ele, dessa vez prestando atenção, tentando guardar aquele rosto na memória. A Capelinha era uma espécie de atração turística não oficial da cidade. Trinta anos atrás a Capela de Santo Antônio fechara para reformas por tempo indeterminado. Espontaneamente a população local se reuniu para construir um prédio temporário para a adoração dos fiéis. A reforma durou tanto tempo — mais de dez anos — que o prédio temporário se tornou "A Capelinha", e continuou sendo usada mesmo quando a Capela finalmente ficou pronta. A prefeitura já havia feito duas tentativas de removê-la pela construção em local irregular, e nessas ocasiões pessoas do bairro e da cidade se reuniram para protestar o valor cultural da igrejinha.

A Capelinha ficava na zona livre.

— Isso é incrível. — Daisuke disse por fim, e esperava que o vampiro soubesse que ele estava sendo sincero.

***

Quando Daisuke finalmente decidiu se aventurar pelo território de Weiss, a abordagem foi muito mais direta.

— Você é mensageiro do Akihito?

— Da Haruka. — corrigiu.

O vampiro que o parara na fronteira assentiu e chamou com um gesto outro que observava na distância. Instruiu o outro — aparentemente um terceira-classe — a guiar Daisuke até Weiss, enquanto ele próprio ia na frente anunciar a visita.

Seu guia sequer tentou conversar, dando a Daisuke a oportunidade de observar as diferenças entre os dois territórios. A fronteira entre Weiss e Agonglô era um tanto contestada, apesar da aliança entre eles. De cada lado da avenida que usavam como marco principal, vampiros de ambas as gangues ficavam não exatamente vigiando, mas lembrando a gangue rival que "este lado é nosso".

"Deve ser coisa de vampiros que caçam", Daisuke refletiu. Ter que implorar por alimento a Haruka podia ter sua própria dose de humilhação, mas pelo menos ele não estava se tornando um animal territorialista.

Em compensação, as fronteiras entre Weiss e Wilson eram borradas. As cidades vizinhas não tinham gangues de vampiros para competir, mas também eram menores. Mais difícil disfarçar cadáveres com marcas de mordida. Assim sendo, a gangue de Weiss se espalhava um pouco para o oeste, e a de Wilson um pouco para o norte, mas não muito. Ambos mantinham a área neutra no centro da cidade como centro principal de atividades. Entre os territórios dos dois vampiros ficava o Parque da Torre — que na verdade se chamava Parque São Judas Tadeu dos Milagres, mas que ganhava seu apelido por uma torre tombada como patrimônio histórico que deveria ter se tornado um museu, mas nunca fora aberta ao público — e nenhuma das gangues reclamava esse espaço. À oeste do parque era território de Weiss, à leste de Wilson, e o sul era uma zona cinzenta. Quando a gangue de Wilson crescia, frequentemente eram eles que a ocupavam. Quando Wilson decidia espontaneamente reduzir o tamanho de sua gangue, aquelas ruas ficavam desertas de predadores. Provavelmente a gangue de Weiss se mantinha afastada porque, se Wilson era maluco o suficiente para matar a própria gangue, o que ele não faria com invasores?

Daisuke foi tirado de suas reflexões ao alcançar seu destino. O local onde recebia seus visitantes ficava bem no centro de seu território, um casarão respeitável, mas não tão grande que destoasse dos padrões do bairro. O interior, em compensação, era decorado suntuosamente com estátuas de mármore e quadros naquele estilo supostamente realista onde todas as mulheres tinham o mesmo rosto saudavelmente gordinho. Uma versão ocidental e com menos bom gosto da casa de Akihito.

Agora que parava pra pensar, os caçadores não sabiam a localização desse cassarão. Dos quatro vampiros que dividiam a cidade antes da chegada de Akihito, apenas Constantino tinha uma localização conhecida — e pra falar a verdade o local onde os caçadores de vampiros se encontravam com o puro-sangue era mais um escritório. Não sabiam onde Constantino dormia durante o dia.

"Uma medida sábia"

Agora que parava pra pensar, o fato de Akihito ter uma mansão enorme num endereço conhecido parecia um movimento ou muito arrogante, ou muito idiota.

"E ele não conseguiria estabelecer uma aliança com dois dos puro-sangues que comandam a cidade da noite pro dia se ele fosse idiota."

— Então, Akihito deu você para a irmã dele. — foi a primeira coisa que Weiss disse ao vê-lo.

Weiss era grande. Força vampírica não tinha nada a ver com tamanho, e Daisuke sabia isso, mas era difícil desprogramar aquele instinto humano de achar que um cara grandão era alguém que "ele não queria ter que encarar em uma briga". Dito isto, é claro que não queria encarar Weiss em uma briga. O homem era um puro-sangue ou sabe-se lá o quê com alguns séculos de idade.

Daisuke tentou decidir pelo tom dele se isso era uma ofensa, mas Weiss sorria, os olhos azuis brilhando e o cabelo loiro o lembrando de um cachorro golden. Ou da juventude hitlerista. Afinal de contas, a gangue de Weiss era majoritariamente composta por homens que pareciam brancos. Agonglô escolhia os que pareciam negros, sem nenhuma preocupação real com origens: em um confronto durante a época em que Daisuke era caçador, os policiais haviam abatido um vampiro da gangue de Agonglô que era algum tipo de asiático marrom com a pele mais escura. Ao chegar, Akihito passara a escolher os amarelos, e Daisuke queria revirar os olhos com tudo isso. Constantino e Wilson não tinham preferências étnicas, mas Constantino era o único que recebia mulheres e homens igualmente.

Deu de ombros dramaticamente.

— Haruka me pediu para transmitir uma mensagem. Ela espera que o mesmo acordo que você tem com Akihito se aplique a ela e os subordinados dela.

Olhava para Weiss atentamente. Haruka não havia fraseado sua mensagem como um pedido, e ele não a transformara em um ao transmiti-la. Os vampiros que Daisuke conhecera até agora não deixariam passar esse fato. Um pouco tarde demais lhe ocorreu que a recepção do mensageiro estava frequentemente ligada à recepção da mensagem, e que talvez — apenas talvez — ele tivesse se colocado em perigo ali, mas Weiss apenas assentiu com seriedade. Após um minuto ou dois o vampiro mais velho falou:

— Diga a Haruka que ela e seus subordinados são mais do que bem vindos no meu território. Também diga a ela que o bosque de cerejeiras do Parque Açucena floresceu.

Esse último pedaço foi dito casualmente, olhando para alguns papeis espalhados sobre sua mesa e depois pela janela.

— Eu direi. Obrigado pelo seu tempo.

Técnicas Sanguíneas retorna dia 15/04.

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