Técnicas Sanguíneas - Capítulo 14

No qual Haruka faz acordos e Daisuke aprende uma coisa sobre vampiros.

Tempo estimado de leitura: 9 minutos

Antes de falar sobre Técnicas Sanguíneas, um aviso rápido: essa semana vou lançar um conto! Se você me segue em alguma mídia social, fique atento nos dias 28 e 29. Vou deixar para falar com calma dele no meu blog e na edição de notícias depois do capítulo 19, mas por enquanto posso compartilhar uma das incríveis artes promocionais feitas pela Duca (@ducapb no Twitter):

mock-up de como ficaria a capa do conto Urbanides em um kindle (no kindle tudo fica em tons de cinza). O kindle está meio inclinado e a capa mostra uma mulher negra de cabelo longo se apoiando em linhas de metrô que cruzam a imagem.

E agora, vamos ao capítulo catorze. Não acho que no capítulo treze dei muitos motivos para vocês surtarem nem nada, afinal essa é uma história bem slice-of-life, mas com sorte ainda causo uns mini-infartos antes do fim.

Banner de fundo degradê preto em cima e vermelho escuro em baixo, com vinhas e pétalas douradas espalhadas ao vento, e o título "Técnicas Sanguíneas" em uma fonte serifada, vermelha com efeitos metálicos. Acima e abaixo do título, na cor branca: A. C. Dantas, e parte 2.

Aviso de conteúdo: esta é uma história de vampiros. Sangue e gente escrota manipuladrora são esperados. Para conseguir o que querem, vampiros vão recorrer a técnicas de coerção e manipulação variando desde gaslighting, ameaças, e violência física e psicológica. Podem ocorrer também menções ou alusões a abuso sexual.

Capítulo 14

No qual Haruka faz acordos e Daisuke aprende uma coisa sobre vampiros.

Haruka às vezes ficava impaciente com o progresso das coisas, mas não se arrependia por um segundo sequer de ter escolhido Daisuke como seu subordinado. Havia se ressentido da interferência do irmão, mas no fim o resultado fora positivo: Daisuke adquirira um ódio tão grande a Akihito que jamais se esqueceria que trabalhava para ela.

Também gostava de acreditar que havia escolhido a tática certa para lidar com ele após sua pequena rebeldia encontrando os caçadores de vampiros. O jeito como Daisuke ficava repentinamente introspectivo, como que evitando testar os limites de sua criadora, era o melhor resultado que ela podia desejar.

Quando ele saiu, Haruka suspirou. A parte mais divertida da sua noite terminara, possivelmente da sua semana inteira. Ver seu único agente leal aprender sobre o território e o equilíbrio de poder dentro dele era cem milhões de vezes mais divertido que qualquer um dos seus livros, instrumentos musicais ou projetos de arte.

Pela milésima vez, sentiu falta de Hong Kong.

Na noite da ópera, olhou para seu guarda-roupas. Os vestidos de festa pretos pareciam todos iguais. Iguais entre si, iguais aos das outras mulheres na ópera. E os kimonos vermelhos com diferentes estampas bordadas eram chamativos demais. Nada de errado em ser o centro das atenções, mas só quando ela queria ser o centro das atenções. Olhou para as pilhas de acessórios adquiridos nas últimas viagens de compras. Com uma combinação adequada de casacos, jóias ou echarpes conseguiria o equilíbrio que estava procurando entre se mostrar e não se destacar, mas havia perdido o jeito com eventos sociais. Havia passado uns bons 50 anos sem sair de casa na Coreia, e Aki havia ficado preocupado. Considerou pedir a opinião dele sobre a escolha das roupas, mas sacudiu a cabeça. Não dava pra ele essa liberdade em Hong Kong, não começaria a dá-la aqui.

E então uma criada bateu à porta e anunciou que o carro havia chegado para buscá-la. Hora de fazer alguma coisa pelo próprio futuro.

***

Quando Daisuke recebeu a convocação de Haruka, ficou surpreso de encontrá-la ainda em seu vestido preto, desfazendo o coque e guardando brincos e colares em várias caixas de jóias espalhadas pelo quarto. O contraste com a figura normalmente estática, a silhueta oculta por camadas e camadas de kimono cerimonial, era gritante.

Em vez de perguntar o que ele estivera fazendo, Haruka começara a contar sobre a temporada da ópera. A princípio, Daisuke havia achado que eram apenas comentários sobre sopranos famosas e o enredo de alguma história épica qualquer, mas no meio disso tudo percebeu que ela parava para incluir as conversas com Agonglô e suas impressões sobre a abertura dele para negociações. Haruka não estava falando da ópera: ela estava, da melhor forma possível, descrevendo seu incipiente jogo político. Parecia muito satisfeita.

— Eu disse a ele "Espero que seu acordo com meu irmão se estenda a mim também", mas como parecia que ele não tinha entendido eu achei por bem acrescentar "seria muito útil que meus subordinados tivessem livre acesso ao seu território." — Haruka deu um sorriso travesso, que provavelmente também fizera uma aparição durante sua conversa com Agonglô — "mas é claro que eles jamais usariam seu território para caça".

“Claro que isso é uma grande piada pra você…” Daisuke odiava as menções casuais à sua dependência do sangue dela.

— E eu sei o que fazer a respeito de Weiss. Não preciso falar com ele pessoalmente. Vou mandar você, e você pode transmitir essencialmente a mesma mensagem: que eu espero que meus subordinados sejam recebidos no território dele com um acordo semelhante ao que ele tem com meu irmão.

Daisuke assentiu. Notou que Haruka havia falado com Agonglô pessoalmente, mas relegava a conversa com Weiss a um mensageiro. Deixou para examinar o fato depois. Agora, Haruka parecia num ótimo humor, e ele não tinha ideia de quando isso aconteceria de novo.

— Hmm… Haruka? Você sempre manda uma das empregadas me chamar, mas você já considerou me mandar uma mensagem? Tipo, pelo telefone?

Era um tiro no escuro. Tirando um gramofone, nunca vira Haruka perto de nenhum dispositivo eletrônico. Akihito tinha um smartphone, e Yukio com certeza tinha um smartphone para receber ordens de Akihito, então em teoria Haruka não podia ser uma analfabeta digital, mas havia um mundo de diferença entre saber que uma tecnologia existe, saber usá-la e gostar de usá-la. Sabia que os puros-sangues da cidade tinham agentes para lidar com tudo o que exigisse documentação, prova de identidade ou não ser um morto-vivo. Se Haruka quisesse, nunca precisaria sequer encostar em um telefone, smart ou não.

— Talvez não seja má ideia. — ela respondeu, e Daisuke acabou suspirando audivelmente de alívio. Haruka pareceu achar graça, mas não comentou, e ele se esforçou para se conter melhor.

Havia preparado uma lista mental de argumentos para justificar a necessidade de um celular, começando com a impossibilidade das criadas o alcançarem quando estava fora da mansão, passando pela ideia ligeiramente paranoica de que todo funcionário da casa era um potencial informante de Akihito, e terminando com um “é o jeito mais prático de Constantino me contatar para cobrar o favor”. Ele havia torcido para não precisar usar esse último, incerto de como Haruka reagiria ao ser lembrada que Daisuke devia favores a outro puro-sangue.

Como a vampira havia concordado com muita facilidade, Daisuke ficou um instante sem saber como conduzir a conversa. Haruka tomou a iniciativa:

— Quanto custa um celular?

“É uma excelente pergunta.” Daisuke não tinha o costume de olhar modelos e preços de celulares, então a última vez que se preocupara com isso havia sido ao comprar seu último aparelho, uns três anos antes de ser transformado. Pagara novecentos reaisno seu último, mas inflação e taxas de câmbio deviam ter tornado esse valor obsoleto.

— Depende do que você quer fazer com ele. — deu uma resposta honesta que desviava o foco da sua desatualização em assuntos humanos — Se for um celular apenas para comunicação, dá pra conseguir um por qualquer preço, só ver quanto você está disposta a pagar e procurar um pouco. Se você quiser uma câmera boa, internet infalível, espaço de armazenamento e essas coisas, já começa a sair mais caro.

Haruka assentiu, então Daisuke supôs que ela estava familiarizada com os termos.

— E onde é o melhor lugar para comprar um?

As perguntas de sua criadora eram simples, mas de alguma forma o desarmavam. Ele não esperava ter que fornecer um tutorial de como comprar um celular. Além disso, na sua vida antiga, faria a compra pela internet, como uma pessoa normal. A falta de dispositivos eletrônicos no quarto de Haruka era tão gritante que parecia até errado sugerir uma compra on-line.

— Hmm. Quando você compra um celular, também precisa de uma linha telefônica para ele. Então é comum ter celulares à venda em lojas de operadoras.

— Esses são bons?

— Bom, sim… mas os top de linha geralmente ficam à venda na loja do próprio fabricante.

— Então é nessa que nós iremos.

Daisuke hesitou. Não queria interromper Haruka, mas…

— As lojas fecham cedo. — Daisuke sabia que as lojas de shopping ficavam abertas até tarde, mas esses eram shoppings de gente pobre. Os que Haruka frequentava sequer tinham lojas de eletrônicos, focando em roupas e perfumes caros. Restavam as lojas de rua, e essas malemá ficavam abertas até às 19h.

— Oh, não se preocupe. Nós vamos de dia.

***

Haruka viu quando Daisuke entrou em pane, mas a princípio não entendeu o porquê.

— De dia? — a voz dele afinou um pouco na última palavra, os olhos arregalados fixos em Haruka.

Ela precisava admitir que estava gostando. Nem quando ela o havia disciplinado Daisuke havia parecido tão frágil. Resignado, talvez, mas não em pânico.

— Sim, Daisuke. Algum problema? — Haruka ergueu as sobrancelhas e manteve a voz firme. Viu Daisuke hesitar, escolher as palavras com sofreguidão.

— Mas… o sol…

— Você pode usar um chapéu se estiver desconfortável. — e teria deixado por isso mesmo, se Daisuke não tivesse continuado lá, parecendo apavorado. Finalmente a ficha caiu.

— Daisuke… você acha que vai virar cinzas se sair no sol?

Com a pergunta, a maior parte do pânico dele foi substituído por vergonha.

— É o que ensinaram no treinamento dos caçadores. Quer dizer… nada tão cinematográfico quanto pegar fogo instantaneamente, mas…

— Você já é vampiro há um ano.

— Mas não é como se eu fosse me arriscar a descobrir isso na base da tentativa e erro, né?

— Não erga a voz pra mim, Daisuke. — avisou, mas a verdade é que falara no automático. Ela sabia que Daisuke evitara falar e até estar no mesmo recinto que os subordinados do irmão, mas só agora percebia que isso significava que sabia tanto quanto um recém-transformado.

— Desculpa. — ele abaixou os olhos, incerto se era o suficiente. — Não vai acontecer de novo.

Haruka sempre refletia sobre o fato de Daisuke não chamá-la por um pronome de tratamento. Neste século as pessoas não acreditavam em deferência para com os superiores, e a maioria das pessoas que dizia “sim, senhora” o fazia no automático, ou como uma tentativa de bajulação. Era uma coisa boa que Daisuke não fizesse uma coisa nem outra. Ele também nunca dizia “eu sinto muito” ou “não tive a intenção”, apenas “desculpa”. Isso dizia algumas coisas sobre seu subordinado, mas Haruka ainda estava para decidir se gostava ou não do que via.

— Você não vai morrer se sair no sol. — ela disse depois de um tempo. — Quanto mais fraca a linhagem sanguínea, mais indefeso o vampiro fica sob o sol. Você é meu segunda-classe, então vai ser irritante, e cansativo, mas não perigoso. Para aliviar os efeitos eu recomendo usar óculos escuros, expor o mínimo possível de pele, e estar bem alimentado.

Era um pouco como Hong Kong, Haruka percebeu. Ou, pelo menos, os primeiros anos em Hong Kong, antes das coisas darem tremendamente errado. A maior mudança não era nos seus segunda-classes, no país, na tecnologia do mundo. A maior mudança era ela mesma. A Haruka que havia ensinado Lan sobre o vampirismo cento e cinquenta anos atrás se fora. Olhou para seu subordinado hesitante.

Eu vou te chamar em alguns dias. Use esse tempo para se preparar, mas mantenha-se disponível.

Daisuke assentiu, e dessa vez o momento desconfortável quando ele tinha que esperar Haruka decidir se tinha ou não mais alguma coisa para dizer foi breve.

— Você pode ir agora, Daisuke.

— Boa noite, Haruka.

Parecia que estavam encontrando sua dinâmica.



Gostaram desse capítulo com mini POVs da Haruka? Não percam o capítulo da semana que vem, quando Daisuke usa um cartão de crédito e um relógio analógico.

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