Técnicas Sanguíneas - Capítulo 4

É isto: eu migrei para o Beehiv, e não sei o que esperar. Já vi que os emails ficaram mais bonitinhos... mas será que ficaram melhores? É tudo um grande mistério.

Falando em mistério, o que será que a Haruka quer do Daisuke? (Eu me sinto muito cara de pau escrevendo isso, eu sou a autora! Eu sei a resposta! Mas enfim... Se vocês quiserem saber, terão que ler para descobrir kkk)

Banner de fundo vermelho escuro, com vinhas e flores douradas, e o título "Técnicas Sanguíneas" em uma fonte serifada, vermelha com efeitos metálicos, meu nome em baixo na cor branca (A. C. Dantas)

Aviso de conteúdo:esta é uma história de vampiros. Sangue e gente escrota manipuladrora são esperados. Para conseguir o que querem, vampiros vão recorrer a técnicas de coerção e manipulação variando desde gaslighting, ameaças, e violência física e psicológica.

Capítulo 4

 Com o sangue que recebera de Haruka, Daisuke se sentia mais desperto do que ao longo das últimas semanas. Começou a se sentir entediado pelas paredes de papel e portas corrediças. A casa era enorme, mas entre o risco de encontrar as empregadas humanas e seu sangue cheiroso, vampiros hostis da gangue de Akihito, ou o próprio Akihito indo ou voltando de uma reunião de negócios, preferiu explorar o jardim. Havia muito jardim. A propriedade era enorme, com direito a jardins com estéticas diferentes e até um pequeno templo. Ficou fascinado pela pequena construção, e voltou lá várias noites. Gostava de olhar as estátuas guardiãs na entrada, e a ausência de um altar o fazia questionar qual era a abordagem de vampiros sobre religião. Talvez fosse uma coisa interessante para comentar com Hana.

 Quando o luxo e o tamanho absurdo da propriedade não conseguiam distrai-lo, Daisuke prestava atenção nas mudanças que sentia dentro de si.  

 Percebeu que havia perdido a noção de quanto tempo passara desde que fora transformado em vampiro. Certamente uns quatro meses, talvez cinco… mas não mais de seis, certo? Também estava fascinado com a maneira com a qual seus olhos se ajustavam à escuridão, e como as cores ficavam diferentes sob a luz fraca das estrelas em comparação com sua aparência sob as lâmpadas dentro de casa. Luz do sol, obviamente, estava fora de questão. Ela queimava. Tudo que era tocado pelo sol passava as primeiras horas da noite com aquele cheiro de roupas passadas a ferro. Logo se tornou capaz de saber o quão próximo estava o nascer do sol baseado no quanto o cheiro de “queimado” havia desaparecido. E, claro, por quanto sono sentia.

 Daisuke sabia que o ânimo não ia durar para sempre. Quando os sintomas da inanição retornassem, acabaria sem energia para essas caminhadas noturnas. Continuava decidido a não beber sangue, mas não podia fingir que gostava da perspectiva de uma morte lenta e dolorosa. Antes que isso acontecesse, buscava ocupar o tempo. Começou a se aventurar até os portões. Pensava em fugir? Dificilmente. Não deixaria de ser um vampiro mesmo que saísse da cidade. Pelo menos aqui podia contar com alguém para matá-lo caso ele decidisse que morrer de fome demorava demais. Mas talvez houvesse alguma coisa para manter sua mente ocupada do lado de fora da mansão.

 Percebeu que o maior problema com os portões não era o fato de serem guardados. Era só que eles nunca se abriam. Quando os mensageiros de Weiss ou Agonglô vinham ver Akihito, eles entravam pela área geral do portão, mas pulando o muro de três metros. Ao entender isso, suspirou. Tinha certeza de que não era uma escalada impossível, nem mesmo para um humano, mas na sua condição atual… Tornou a suspirar.

 Uma noite, como se para desafiar o parco conhecimento que Daisuke tinha sobre seu novo mundo, os portões se abriram. Foi praticamente um evento: Haruka saiu do quarto, um séquito de servos e segunda-classes curiosos espalhados a uma distância segura ao redor dela. A vampira ficou parada enquanto as portas se abriam. Aparentemente ela tinha uma convidada.

 A mulher que entrou era claramente uma vampira, e devia ser puro-sangue, pela maneira como era recebida com honra. A recém-chegada tinha cabelo azul elétrico. Devia ser tingido, mas de alguma forma Daisuke achava que não. O cabelo dela era longo demais para que tingir fosse conveniente, batendo na cintura, e não tinha nenhum desgaste de cor desbotando ou cabelo destruído por química. Estava cheio de perguntas sobre o crescimento de cabelo de vampiros, e se a regeneração celular chegava até os cabelos, quando notou que ela usava óculos. Somando tudo, eram muitas informações surpreendentes. Mas nenhuma tão surpreendente quanto o fato de que Haruka tinha uma amiga.

 — Alana!

 — Haruka!

 As duas se aproximaram, e por um instante Daisuke achou que elas iam se abraçar, mas pararam com distância considerável entre si. A tal Alana ainda fez menção de se aproximar um pouquinho mais, e Haruka estendeu as mãos. Alana fez o mesmo e elas seguraram as mãos uma da outra. Foi um gesto afetuoso, porém esquisito.

 Alana veio várias vezes. Nos dias que ela vinha, a maioria dos subordinados de Akihito dava um jeito de estar fora da casa a noite toda. Já ouvira terceira-classes ativamente discutindo quais segunda-classe tinham bases fora da mansão, porque não queriam passar o dia sob o mesmo teto que a vampira. Nesse ponto, Daisuke teve que flexibilizar um pouco suas regras de isolamento.  

 — Yu Jun? — a moça foi a primeira pessoa que encontrou para fazer suas perguntas. Para seu alívio, ela não tentou evitá-lo. Daisuke ficava feliz que ela voltasse a acreditar que era seguro estar perto dele. Não que ele acreditasse. Se sentia mais controlado, mas ainda ficava distraído com o leve perfume do sangue dela. — Por que a gangue do Akihito não gosta da Alana?

 — Hmm… O senhor Kim disse que ela era maluca. A Srta. Haruka não gostou nem um pouco.

 Daisuke se perguntou se Haruka tinha ficado tão incomodada que matara o tal Kim, já que nunca ouvira falar dele. Fez a nota mental de não ser pego falando mal de Alana. Hana tinha uma vaga lembrança de Alana e Akihito terem entrado em conflito oito anos atrás, quando o grupo viera para a América.

 — Por um tempo eu acho que ele estava tentando matar ela, mas nenhum dos mestres vampiros tinha informações, então eles meio que desistiram. Parece que o grupo dela é pequeno, então não atrapalha na divisão da cidade.

 Isso era uma informação fascinante, tanto por revelar que Alana era poderosa o suficiente para escapar dos esforços combinados de Akihito, Weiss e Agonglô, quanto por mostrar que os humanos que trabalhavam para Akihito sabiam que os vampiros dividiam a cidade entre si. Será que isso afetava como se movimentavam pelo espaço urbano? Será que os outros puro-sangue tinham humanos anexos à gangue para cuidar de pequenas tarefas diurnas?

 Considerando tudo, Daisuke não gostava ou desgostava de Alana mais do que qualquer outro vampiro. Ok, talvez gostasse um tiquinho mais, porque toda pessoa que explicitamente enfrentava Akihito e saía ganhando tinha pelo menos uma colher de chá do seu respeito. Supunha que ela fosse o “Elemento X” que Eddie, o nerd, teorizava na delegacia. Pensou no colega com uma pontada de saudade. Era óbvio que Eddie era um nerd: centenas de quinquilharias dos seus fandoms preenchiam cada centímetro da sua mesa na delegacia, e seu trabalho de analista o fazia juntar fotografias e artigos de jornal no quadro de cortiça, conectando-os com pedaços de barbante, a própria definição do gênio ou teórico da conspiração. Como havia outro Eddie no escritório, o apelido acabara pegando para diferenciá-los. E ao analisar os padrões de movimentos dos vampiros na cidade, Eddie, o nerd, chegara à conclusão de que havia uma espécie de célula independente. Um vampiro poderoso sozinho ou com um grupo pequeno que não estava alinhado a nenhuma das cinco gangues. Agora Daisuke podia confirmar essa teoria.

 Mas o pouco de boa vontade que tinha para com ela desapareceu muito rápido. De fato, evaporou instantaneamente no segundo em que Daisuke viu Nathalie.

 Às vezes Alana trazia alguns membros da sua gangue. Quando isso acontecia, mais membros da gangue de Akihito ficavam por perto, querendo conversar. Os segunda-classe de Alana eram inconfundíveis: todos tinham pelo menos uma mexa do mesmo azul elétrico no cabelo. Em uma dessas visitas, Daisuke viu uma silhueta familiar entrando na casa três passos atrás de Alana.

 “Não pode ser.”

 Mas era. Nathalie era uma colega caçadora de vampiros que estivera presente na operação desastrosa da noite em que Daisuke fora levado. Ele se culpou por não ter pensado muito nos outros, mas depois que o choque da própria transformação passara ele tentava não se demorar em lembranças dolorosas. Ou em especulações dolorosas. Entre morrer ou ser levado, teria escolhido morrer; não imaginava que os outros caçadores de vampiro teriam feito uma escolha diferente.

 E ainda assim, Nathalie estava aqui, viva. Ou tão viva quanto “ser vampira” podia ser considerado estar viva. Daisuke se sentiu feliz por vê-la, o que o fez se sentir culpado. O tempo que levou para decidir o que fazer com a culpa — no caso, guardar para uma análise futura — foi o suficiente para as vampiras desaparecerem de vista.

 Daisuke ainda não era bom o bastante para seguir vampiros pelo olfato. Se perguntava quantas habilidades sobrenaturais eram adquiridas com o mero passar dos anos, e quantas precisavam de esforço ativo para serem aprendidas. Supôs que Haruka tivesse levado a visitante para seu quarto, mas não achava que Nathalie as acompanharia até tão longe. Foi seguindo pelos corredores, procurando qualquer indício de que Nathalie tivesse se separado do grupo ali e ido olhar, sei lá, a grande TV de tela plana de uma das salas de estar, ou a academia. Aparentemente, Akihito tinha um porão repleto de equipamento de ginástica. Daisuke nunca tinha ido lá, pois além de passar a maior parte do tempo exausto, Hana dera a entender que o local estava sempre lotado. Ele se recusava a socializar com vampiros.

 Nathalie seria uma exceção.

 Mas Daisuke não conseguiu encontrá-la na primeira volta que deu pela casa, e não chegou a dar uma segunda. Estava voltando para o quarto de Haruka, para expandir sua busca ao redor desse ponto, quando Alana apareceu, desacompanhada.

 — Você deve ser o Daisuke. — ela tinha um sorriso enorme, mas os olhos eram atentos, calculistas. — Eu queria tanto te conhecer.

 Havia algo de errado com a voz dela. Parecia meio cantada, exceto que o ritmo não vinha das palavras em si. Alarmado, lembrou-se do treinamento de caçador. Isso era Influência, a técnica de hipnose que vampiros utilizavam para acalmar suas vítimas humanas. O Chefe tinha uma apresentação de slides sobre todas as habilidades inconvenientes dos vampiros, começando por essas de uso geral, como o fator de cura sobre-humano ou a Influência, e seguindo até coisas mais obscuras, como as técnicas sanguíneas individuais dos vampiros puro-sangue. O slide do comandante tinha tantas lacunas. Por exemplo, a informação se Influência funcionava em outros vampiros também.

 — Haruka me disse que você é puro tédio! Você nunca vai atrás dela, não importa o quão sedento você esteja… — ela continuou, e assim que ela mencionou “sede” Daisuke sentiu a sua piorar. — Você devia ir até ela.

 É só a Influência, é só a Influência, é só a Influência...” ele repetia como um mantra, tentando se livrar desse pensamento extremamente razoável que era “se eu pedir com jeitinho, Haruka vai me alimentar”.

 Com um suspiro, Alana cortou a Influência.

 — Você é teimoso, hein? Por quê você não vai procurá-la?

 — É porque eu… — a questão era: ele não tinha cem por cento de certeza das razões que o levavam a agir dessa forma. Daisuke parou. Não planejava se explicar para a vampira. Olhou fixamente pra ela. Será que ela ainda estava…?

 Alana deu um sorriso torto, confirmando as suspeitas dele. Ela não parara a Influência, apenas trocara para uma modalidade mais sutil.

 — Pra alguém tão acabado, até que consegue resistir bem. Isso quer dizer que não está acabado o suficiente.

 Daisuke começou a sentir frio.

 Ele não havia sentido muito em termos de temperatura desde que se tornara um vampiro, todas as noites pareciam iguais no quintal de Akihito, adequadas para andar com ou sem casaco de acordo com a sensibilidade individual. Mas pelo jeito temperaturas mais extremas ainda eram um problema. Quando olhou para os braços viu uma camada de gelo que aumentava rapidamente, deixando-o pesado demais para se mover e eventualmente congelando-o no lugar. Só metade de seu rosto, o pescoço e um ombro permaneciam livres, mas o toque frio da corrente com a identificação de caçador parecia morder sua pele.

 “Péssima metáfora”, Daisuke pensou.

 — Sabe, eu realmente não gosto de ver a Haruka triste. — Alana se debruçou sobre ele.

 Daisuke não achava que tinha muito sangue restando — faziam quase dois meses que Haruka o alimentara à força depois daquela briga — mas ele sentiu a puro-sangue se demorando uma eternidade sobre ele. Agora que era um vampiro, a perda de sangue se manifestava de forma diferente. Quando era humano, o corpo simplesmente a entendia como parte de uma ferida. Agora havia uma sensação sobrenatural de vida, poder e força abandonando seu corpo. Sua visão começou a falhar antes de Alana se afastar de seu pescoço. Quando isso finalmente aconteceu, a vampira colocou a mão no rosto dele e disse alguma coisa, mas ele percebeu que sua audição também começava a falhar. Não sentia mais frio. Daisuke começou a flutuar rumo a Lugar Nenhum.

 ***

 Surpreendentemente, Daisuke acordou. Sentia as veias queimarem, desejando serem preenchidas. Ele tinha espasmos e não se sentia forte o bastante para se sentar. Aos poucos recuperou os sentidos o suficiente para perceber onde estava: mais uma vez sua cabeça repousava sobre o colo de Haruka. Com toda a energia que tinha deixou aquela posição e sentou-se. O esforço o deixou tonto e sua visão escureceu, mas apenas por um segundo. Quando olhou novamente, Haruka permanecia sentada e olhava para ele. Abriu a boca, ainda incerto do que dizer, mas a vampira o interrompeu.

 — Eu não tentaria falar se fosse você. Se fizer isso vai acabar desmaiando de novo, e eu quero que antes disso você me ouça. Eu fiquei muito brava com a Alana quando descobri que ela te atacou. O sangue nas suas veias é meu. Você me pertence. Eu nunca dei a ela permissão. — Depois de uma pausa mau humorada, Haruka continuou. — Você ficou desacordado por duas semanas. Eu poderia ter feito você se recuperar mais cedo, mas eu decidi só te dar sangue se você me pedir.

 Daisuke balançou, parecendo que ia cair, mas ela não cedeu.

 — Se você desmaiar, vai ter que me pedir da próxima vez que acordar. Você vai, mais cedo ou mais tarde. É provável que demore um pouco.

 Para Daisuke, a fome era como uma centena de espadas a atravessá-lo. Ele precisava fazê-la parar.

 — Haruka… será que você pode… me dar sangue?

 — Claro, Daisuke. Estou feliz que você tenha pedido.

 Para a surpresa dele, Haruka mordeu o próprio braço com os caninos afiados e o sangue começou a fluir lentamente. Ela estendeu o braço para ele, e quase sem perceber o que estava fazendo ele se inclinou para frente para beber. Assim que engoliu as primeiras gotas, sentiu um alívio tão grande que arrancou todo o ar dos seus pulmões. Que bom que respirar era opcional. Sangue não tinha gosto só de ferro, tinha gosto de sobrevivência e do cessar da agonia que queimava em suas veias. Daisuke chegou a pensar que podia continuar ali para sempre... e então Haruka puxou o braço de volta.

 “Não é justo.” Daisuke pensou. Ele ainda sentia fome. Sem perigo de vida, mas morrendo de fome no sentido hiperbólico.

 — Se você quiser mais — só percebeu que estava encarando e quase babando quando Haruka tornou a se dirigir a ele — você só tem que pedir.

 Esse foi o momento que mudou tudo. Quando ele estava à beira da morte podia se convencer de que não fora uma escolha consciente, mas agora estava apenas faminto. E com medo: com medo do que teria que passar se Haruka se desagradasse dele.

 — Haruka… posso tomar mais sangue?

 Ele bebeu, sabendo que o vampiro que o provocara estava certo: ele era a mascote de Haruka. Ela o alimentava com a própria mão. Ele só precisava pedir. Talvez dar a patinha.

Join the conversation

or to participate.