Técnicas Sanguíneas - Capítulo 29

No qual Daisuke se interessa por crescimento capilar

Tempo estimado de leitura: 14 minutos

Bom, agora sabemos porque Haruka não tem a própria gangue. Talvez com os eventos do capítulo anterior algumas coisas sobre ela e o Akihito façam sentido? Faltam apenas algumas pontas soltas para serem amarrados antes dessa temporada acabar. Quais os mistérios que vocês querem muito ver revelados?

Ainda estamos em junho, mas já estou pensando se tenho verba para imprimir brindes para a Bienal. Quero levar alguma coisa minha e também alguma coisa do Verifique Antes de Ler. Algum de vocês planeja ir na Bienal do Livro esse ano?

Banner de fundo degradê preto em cima e vermelho escuro em baixo, com vinhas e pétalas douradas espalhadas ao vento, e o título "Técnicas Sanguíneas" em uma fonte serifada, vermelha com efeitos metálicos. Acima e abaixo do título, na cor branca: A. C. Dantas, e parte 2.

Aviso de conteúdo: esta é uma história de vampiros. Sangue e gente escrota manipuladrora são esperados. Para conseguir o que querem, vampiros vão recorrer a técnicas de coerção e manipulação variando desde gaslighting, ameaças, e violência física e psicológica. Podem ocorrer também menções ou alusões a abuso sexual. (agora em negrito porque estamos bem perto da parte onde esse aviso se torna relevante)

Capítulo 29

No qual Daisuke se interessa por crescimento capilar

Número desconhecido

Daisuke, é a Nathalie. Você está livre hoje?

Agora que Kim estava de castigo, era muito enervante ficar em casa. Haruka conseguia tratar seu subordinado como parte da decoração, mas Daisuke se sentia estranho pedindo para ser alimentando na frente dele. Ajoelhar diante de Haruka para alcançar o braço estendido dela voltava a ser humilhante, e não conseguia se entregar tão completamente enquanto bebia.

O único ponto positivo é que quase não era mais requisitado como motorista de Haruka. Ela parecia determinada a tornar o castigo de Kim o mais tedioso possível, e já havia passado 50 anos sem sair do quarto. Tudo bem que havia sido por trauma e depressão, mas ela parecia muito capaz de repetir o feito. Daisuke começava a perceber que a personalidade de Haruka era fortemente influenciada pela birra.

Daisuke

Estou. Onde te encontro?

E, para servir de quebra-gelo depois de um tempo considerável sem contato:

Daisuke

Você entende alguma coisa de astrologia? Qual é o signo que controla a birra?

Nathalie mandou uma reação de risada, um “Eu não faço a menor ideia, por quê?” e um endereço. Isso pareceu um bom prenúncio, e Daisuke rumou para lá animado.

A animação desapareceu imediatamente ao ver Nathalie. O cabelo dela estava passado na máquina, e as manchas azuis cobriam quase toda a parte de trás da cabeça dela.

— Você está usando maquiagem. — ele disse, evitando comentar sobre a mudança mais drástica e começando com as bordas.

— Está muito forte?

— É só que você não é muito boa nisso.

Daisuke tentou usar um tom descontraído, e Nathalie até abriu um sorrisinho enviesado, mas ele não se sentia descontraído, e Nathalie parecia não ser capaz de sorrir há dias. A maquiagem que era pra ser sutil era uma tentativa muito flagrante de disfarçar olheiras ainda piores que as da última vez.

— Você vai caçar?

Ela sacudiu a cabeça, fechando os olhos com força e cerrando os punhos. Daisuke teve a impressão de que ela estava usando um pouco de força demais, e que as unhas dela estavam deixando marquinhas de meia-lua nas palmas.

— Tudo bem… quer entrar em algum lugar pra conversar? Sair do vento? — ele insinuou para o moletom que ela usava, cada vez mais fora de época com o calor que se aproximava. Pra falar a verdade Daisuke começava a sentir algum instinto vampiro que dizia pra se misturar e não chamar a atenção, e a blusa de Nathalie começava a ser um pouco enervante. Ela havia usado o mesmo moletom em todos os seus encontros, e de repente ele parou pra pensar que Alana não tinha a mesma infraestrutura que Akihito. Nathalie não teria um quarto só pra ela, nem uma mesada para comprar roupas.

Nathalie hesitou.

— Deixa eu gastar o dinheiro da Haruka te pagando uma bebida?

Isso a fez sorrir.

Encontraram uma casa de chás cuja decoração consistia em plantas plásticas e luzes pisca-pisca. Nathalie claramente passava por algum dilema interno, porque ela olhava ao redor não como uma predadora notando o padrão de movimentação de presas em potencial, mas como se ela pudesse ser atacada a qualquer momento.

— Nat?

— Oi?

— Posso segurar sua mão?

O pedido a surpreendeu, mas ela estendeu a mão por cima da mesa. Daisuke tomou a mão dela entre as suas, e passou vários minutos apenas olhando pra ela com carinho.

— O que você está fazendo? — ela perguntou por fim.

— Eu estou tentando passar uma presença reconfortante.

Mais alguns minutos de silêncio. Nathalie tentou tirar a mão, mas Daisuke manteve uma pressão suave, e ela não insistiu.

— Tá… mas por quê?

— Porque você não está bem.

Um arrepio passou por Nathalie, que se encolheu dentro do moletom. Daisuke estranhou o gesto. Sabia que o arrepio não era de frio, então o apego ao agasalho parecia deslocado.

— O que aconteceu, Nat?

Ela ficou tensa, as mãos se fechando de novo. Dessa vez Daisuke deixou ela retirar a mão que ele segurava, mas continuou encostando nela de leve por sobre a mesa. Ficou esperando Nathalie reunir coragem para falar, mas isso simplesmente não aconteceu.

E então ele entendeu.

“Droga.”

— É a Alana. — ele disse, sem conseguir se conter. Lembrou de sua própria experiência com Haruka quebrando seus ossos. — Ela está te atormentando e sequer vai deixar você pedir ajuda.

Nathalie virou o rosto, abraçando o corpo como se quisesse ocupar a menor quantidade possível de espaço.

— Ok, então eu sei que você não pode me contar, mas você quer me contar?

— Eu… eu não tenho certeza.

— Tudo bem. — Daisuke percebeu que estava um pouco inclinado pra frente, e tornou a dar espaço pra ela. — Podemos falar sobre qualquer outra coisa. Não precisa me contar nada que te deixe desconfortável. Mas você sabe que eu estou do seu lado, né?

Isso fez a vampira sorrir de leve. Os olhos dela estavam marejados, mas nenhuma lágrima chegou a cair.

— Acho que sim.

— Então, você quer experimentar esse tal de Darjeeling? — apontou para um dos chás no menu.

Agora que Daisuke tinha suspeitas, não conseguia mais se deixar enganar pela pretensa animação da amiga. Ou talvez a animação fosse real, uma última tentativa desesperada de encontrar alegria em algum lugar. Fugir do problema parecia algo ruim, mas que escolha tinham? Não é como se ele pudesse trazê-la pra casa para tirá-la do alcance de Alana. Mesmo que tivesse permissão, o sangue primário podia convocá-la de volta para junto da vampira que estava claramente maltratando-a. Fez um esforço para focar em amenidades: piadas sobre o chá enquanto olhavam o menu, comentários sobre o gosto depois que os respectivos pedidos chegaram.

— Você acha que existe alguma quantidade de álcool que consiga deixar um vampiro bêbado? — Nathalie perguntou, adicionando vários cubos de açúcar ao seu chá.

Wilson havia dito que existiam substâncias capaz de causar esse efeito, mas Daisuke não havia se lembrado de perguntar.

— Bom, eu pessoalmente não testei porque eu nunca liguei pra bebida? E também tem o fato de que se for possível ficar bêbado, eu não ia querer testar em mim mesmo.

— Sabe-se lá o que pode te atacar na esquina, né? Você já encontrou com caçadores desde que virou vampiro?

Daisuke sabia que ela não estava se referindo aos encontros amistosos com Charlotte.

— Não. — admitiu. — Eu evito os lugares que eram mais comuns de serem patrulhados e… bem…

— E você não caça.

Ele assentiu. Por alguma razão isso fez Nathalie ficar pensativa.

— Dai… você ficaria chateado se eu dissesse que eu cometo pequenos delitos? Roubo de loja, bater carteiras, coisas assim?

— Depende. Você começou com isso antes ou depois de ser transformada?

— Depois, é claro! — ela ficou tão indignada que até se empertigou, e só então os dois pareceram notar o quanto ela estava encolhida. Daisuke sorriu pra ela, e Nathalie devolveu, apreciando o senso de humor dele.

— Eu acho que você faz o que precisa fazer. — “Quer dizer, eu espero que isso não vire um hobby. Eu sei que a imortalidade pode ser tremendamente tediosa, mas somos pessoas modernas. Um celular com acesso a internet deveria ser mais do que suficiente pra gente se divertir sem ter que recorrer ao roubo recreativo.” Não disse nada disso porque mesmo dentro da sua cabeça isso soava como uma ladainha hiperativa. Em vez disso decidiu admitir seus próprios podres. — Você ficaria chateada comigo se eu dissesse que transformei uma garota em vampira?

Isso fez Nathalie arregalar os olhos e possivelmente engasgar com o chá. Não dava pra ter certeza, já que não precisavam realmente respirar, e o corpo não tinha uma reação particularmente violenta ao líquido descendo pelo buraco errado.

— Quem? — a palavra saiu meio tossida. — Quando?

— Quando Akihito me pegou falando com os caçadores. A Haruka me quebrou todinho, e depois me deu tanto sangue que ela ficou… — “Não tão péssima quanto você está agora” — …seca. Ela pediu pra eu trazer uma das empregadas… e avisou que ia matá-la.

Dessa vez foi Nathalie quem estendeu a mão para ele, oferecendo conforto. Isso o fez sorrir, antes de continuar.

— Então eu falei com a moça. E ela… só aceitou? Mas ela pediu pra ser transformada em vampira. Pras pessoas que trabalham pro Akihito há gerações isso parece não ser um destino terrível e indesejável. E eu estava efetivamente levando ela pra morte, então eu decidi só… respeitar o desejo dela.

Nathalie assentiu. E então…

— Você tem sangue primário?

A pergunta pegou Daisuke de surpresa.

— Eu… eu não sei? — Haruka havia deixado implícito que sim — Eu só… deixei ela com o Constantino porque o Akihito jamais deixaria um terceira-classe da irmã dele no território.

“Por razões que agora parecem evidentes.”

— Acho… que não é tão ruim, então. Eu… Ai não.

A interrupção foi repentina, e Nathalie se levantou. O primeiro instinto de Daisuke foi olhar ao redor, tentando encontrar o que poderia tê-la alarmado, mas tarde demais percebeu que vinha de dentro.

— Eu tenho que ir. — ela já começava a dar alguns passos na direção da saída, apenas aguardando chegar a um local aberto para convocar sua velocidade sobrenatural.

Daisuke emparelhou com ela.

— Me manda uma mensagem antes de amanhecer?

Mais uma vez Nathalie hesitou. Por fim, assentiu, alcançou a porta, e desapareceu.

***

Ainda era cedo. Quer dizer, ainda faltava muito para amanhecer. Daisuke parou para apreciar com certo cinismo como suas noções de cedo e tarde haviam mudado. Mas o fato é que não queria voltar para a mansão e as presenças opressoras de Haruka e Kim.

Pensou um pouco sobre qual seria a melhor forma de se manter ocupado durante o restante da noite, quando teve uma ideia. Ligou para “SPAM INTERNET FIBRA ÓTICA NÃO ATENDER”. Prendeu a respiração enquanto o telefone chamava. Teria preferido mandar uma mensagem primeiro, mas não era assim que faziam.

Quando ele achou que teria que retornar em outro momento, uma voz feminina familiar atendeu.

— Por um instante eu fiquei muito confusa por receber uma ligação da casa da salada.

Daisuke riu.

— Oi, Barbara.

— Oi, Daisuke. O que posso fazer por você?

— Eu precisava de informações. — sempre melhor ir direto ao ponto.

O tom de Barbara ficou mais sério.

— Que tipo de informações?

— Mistas. Começando por “você sabe se cabelo de vampiro cresce?”.

Isso a fez rir.

— Venha me ver. Telhado do Teatro Popular. Quer que eu leve a Hana?

Daisuke até queria vê-la, saber se ela estava bem… mas se algo tivesse acontecido, Constantino o teria informado através de Bárbara, e agora que ele sabia sobre o sangue primário, tinha medo de fazer qualquer coisa que pudesse chegar nela como uma instrução ou comando. Tinha medo do que isso podia fazer no seu relacionamento com ela.

— Se ela quiser vir.

Faltam três capítulos para o final desta temporada de Técnicas Sanguíneas.

No próximo capítulo, Daisuke faz uma descoberta inesperada.

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