Técnicas Sanguíneas - Capítulo 27

No qual Haruka ensina algumas coisas.

Tempo estimado de leitura: 16 minutos

O capítulo de hoje está saindo de noite pura e simplesmente porque eu tive um fim de semana caótico e não consegui deixar ele programado para sair de manhã. Confesso que desde ontem estou com raiva de tudo e de todos, mas por sorte existe uma explicação perfeitamente lógica pra isso e daqui uns 2-3 dias vai ter passado. Ainda assim, que saco.

No último capítulo Daisuke e Nathalie saíram pra caçar juntos, e parecia que ele ia conseguir ajudá-la a não matar pessoas! E daí ela parou de aparecer. Vocês ficaram preocupados? Tem alguma ideia de onde ela poderia estar? Estamos no último bloco de capítulos antes de mais um hiato grandão, quais são os mistérios que vocês ainda querem ver revelados? Que personagens vocês querem encontrar mais vezes?

Eu também quero saber se vocês gostariam de ter um e-book para cada parte da história, ou se vocês preferem esperar a elusiva parte três para ter um e-book juntando a coisa toda (eu acredito que a parte três vá ser a última). Como não consigo colocar uma enquete direto na newsletter, vocês podem me contar respondendo o e-mail, ou eu posso enviar um formulário Google quando acabar.

Banner de fundo degradê preto em cima e vermelho escuro em baixo, com vinhas e pétalas douradas espalhadas ao vento, e o título "Técnicas Sanguíneas" em uma fonte serifada, vermelha com efeitos metálicos. Acima e abaixo do título, na cor branca: A. C. Dantas, e parte 2.

Aviso de conteúdo: esta é uma história de vampiros. Sangue e gente escrota manipuladrora são esperados. Para conseguir o que querem, vampiros vão recorrer a técnicas de coerção e manipulação variando desde gaslighting, ameaças, e violência física e psicológica. Podem ocorrer também menções ou alusões a abuso sexual.

Capítulo 27

Capítulo 27

No qual Haruka ensina algumas coisas.

Daisuke havia mostrado a Haruka as fotografias da papelada de Akihito no esconderijo de Kim. Ela finalmente estava pronta para compartilhar suas conclusões.

— Eu entendo que meu irmão não quisesse desperdiçar um segunda-classe competente, mas… eu me sinto muito insatisfeita com a situação.

Daisuke fez um aceno discreto com a cabeça, mas não ousou dizer nada.

— Será que o Kim não entende que ele é meu? — Haruka fez uma cara amuada que seria até um pouco cômica se não fosse acompanhada por tensão ao longo de todo o corpo dela. Daisuke nunca a tinha visto assim.

Hesitante, ele interpôs:

— Haruka, eu não acho que é o Kim que não entende isso.

— Defendendo ele? Eu achei que vocês não se suportavam.

— Não é isso. Mas você mesma disse: o Akihito mandou ele te obedecer. Então se ele te desobedecer, o Akihito vai ficar sabendo. — pensou em Nathalie, sempre com medo de cruzar o limite invisível do sangue primário e ter que dar explicações para Alana.

— Mesmo o sangue primário não é absoluto, Daisuke. Um segunda-classe determinado pode descumprir ordens, e nem sempre um vampiro tem tempo ou energia para reforçar o comando imediatamente.

As palavras “reforçar o comando” acenderam um alerta mental em Daisuke. Era uma coisa quando o puro-sangue podia sentir o segunda-classe desafiando o sangue primário, mas tudo se tornava muito pior ao saber que a coisa podia se tornar um cabo de guerra psíquico que o puro-sangue inevitavelmente venceria.

— Você não está entendendo, Haruka… — ele começou, urgente, mas parou ao sentir a súbita mudança na atmosfera.

— Cuidado com o seu tom, Daisuke.

Ele engoliu em seco.

— Desculpa. Eu me excedi. — ele esperou, e ela indicou que ele continuasse — O que eu quero dizer é… mesmo que por conta própria o Kim possa guardar o celular que você mandou ele jogar fora… pra fazer os impostos do Akihito ele precisa da permissão do Akihito. — seria até engraçado, o conceito do “contador ninja” que fazia seus impostos sem ser detectado — Ele não teria como ficar fazendo tarefas para o Akihito se o Akihito não ficasse dando tarefas pra ele.

— Isso… — Haruka começou, e depois se interrompeu, ligeiramente em conflito. Diminuiu o tom de voz — Isso não é ideal, mas uma coisa não tem nada a ver com a outra.

Daisuke sentiu a frustração aumentando exponencialmente.

“É claro que uma coisa tem a ver com a outra!”

Em vez disso ele se conteve e aguardou para ver se Haruka tinha mais alguma coisa a dizer. Quando parecia que era seguro, tentou outra abordagem.

— Haruka, você já pensou em ter seu próprio território?

Ela ergueu as sobrancelhas, sem saber como isso se conectava com o assunto.

— O tempo todo.

— E quando você tiver seu território — Haruka gostou de ouvi-lo dizer “quando”, não “se” — você pretende morar nele?

Isso deixou a vampira um pouco confusa. Ele prosseguiu.

— Quer dizer, todos os puros-sangues… todos os líderes de gangue moram nos respectivos territórios, não? Eu tenho certeza que você sempre vai ser bem-vinda na casa do Akihito… mas quando você tiver seu território você vai mesmo sair dele todo dia para vir dormir na casa do seu irmão?

— Você está sugerindo que eu compre uma casa?

— Bem… na verdade a minha pergunta é: você conseguiria?

Ele se preparou para o ultraje de Haruka, mas a reprimenda não veio.

— O que você quer dizer com isso, Daisuke?

— Eu quero saber se você tem uma fonte de renda além do cartão de crédito corporativo do seu irmão. Uma que não vai ser bloqueada se o seu irmão decidir te sacanear?

— Aki nunca faria isso.

— Se acontecer uma tragédia, então.

— Nada vai acontecer com o meu irmão, Daisuke! — nessa frase a voz de Haruka se ergueu, e ambos ficaram surpresos com isso.

Até Haruka teve que admitir que estava perturbada demais por cenários hipotéticos, e isso não era normal. Em Hong Kong ela e Akihito faziam planos de redundância, para que os negócios dos dois não fossem irremediavelmente prejudicados caso um deles sofresse um acidente. Eram jovens, e haviam vampiros mais velhos e com motivações mais complexas que poderiam aparecer na cidade e dificultar as coisas para eles.

— Quer saber? Você tem razão. Não custa nada me preparar para gerenciar meus negócios usando meus próprios recursos.

Daisuke poderia virar uma estrelinha de tanto alívio. Claramente Haruka era apegada demais ao irmão para pensar com clareza, mas seu desejo de independência ainda permitiria a ele completar o Objetivo 3 de 3.

— Creio que isso conclui nossos assuntos por hoje. — ela se preparou para dispensá-lo. — A não ser que você tenha mais alguma coisa para me dizer?

Normalmente essa seria a deixa para Daisuke se alimentar, mas ele se sentia imprevisível.

— Eu acompanhei a Nathalie numa caçada essa semana.

Haruka ergueu as sobrancelhas, mais uma vez esperando que ele continuasse.

— Haruka, como se usa Influência?

***

Eram quatro horas da tarde, e Daisuke e Haruka estavam em um café no subsolo. Sair de dia ainda deixava Daisuke totalmente desorientado, mas pelo menos o local não tinha janelas. Os três relógios na parede atrás do balcão mostravam horas diferentes, mas os dois vampiros não precisavam deles para saber que estava anoitecendo.

— Então, o que você sabe sobre Influência?

— Que ficar pensando “não olhe nessa direção, não olhe nessa direção, não olhe nessa direção” para um humano aparentemente não funciona.

Haruka riu. Daisuke não conseguia achar graça.

“Por que temos que fazer isso de dia?”, se lamentou, mas não ousou fazer a pergunta em voz alta. Tinha a impressão de que sabia a resposta: Haruka preferia sair no sol do que ter a mínima possibilidade da interferência de Akihito. Pelo que entendia, Akihito jamais mandara alguém seguir a irmã diretamente, mas quando ela saía qualquer um que a visse acabava reportando o fato de volta ao líder da gangue.

“Francamente, não é como se ela fosse uma adolescente andando sozinha pela primeira vez...”. Será que Akihito era tão paranoico assim? Olhou para Haruka, que analisava o movimento do café da mesma forma que ele fazia quando estava em uma lanchonete esperando por Nathalie. Exceto que para ela toda a análise predatória da movimentação de pessoas e posição das portas parecia divertida, enquanto Daisuke achava aquele instinto enervante.

— Haruka, o que aconteceu em Hong Kong?

Ela olhou para ele como se voltasse do mundo da lua, e ele estava igualmente surpreso com a própria pergunta.

— Você disse que Akihito te deu o Kim para te animar depois de Hong Kong. Parece que foi depois disso que você virou uma reclusa.

— Você está dizendo que eu sou uma hikkikomori?

O tom dela era ultrajado, mas a sensação geral do momento era muito diferente da última vez que Daisuke a ofendera.

— Bom, você não sai do seu quarto nem para comer.

— Se eu nunca saísse de casa você não precisaria ser meu motorista.

— Ok, justo. Você sai do seu quarto três ou quatro vezes por mês.

Haruka revirou os olhos.

— Você sabe acessar o poder do seu sangue?

De repente estavam falando sobre aprender Influência de novo.

— Isso é tipo…

— Quando você precisa fazer um esforço maior, e transforma sangue em magia pra conseguir fazer o que precisa. É por isso que você acaba com mais sede depois.

Ela falava tão facilmente sobre magia. “Deve ser uma perspectiva muito diferente para quem nasceu nesse mundo.”

— Eu faço isso às vezes, para pular de prédios ou correr mais rápido pela cidade.

Haruka assentiu.

— Você consegue fazer isso quando não está em movimento?

Daisuke hesitou. Era difícil definir se era possível ativar um boost sem ser para uma ação específica. Ela entendeu a demora dele em responder como uma negativa, e suspirou.

— Se você conseguisse, seria simples. Você só precisa mandar o poder do seu sangue para os seus pensamentos, em vez dos seus músculos. Pensamentos simples são mais fáceis de focar, e quando você está começando falar eles em voz alta ajuda.

— Tem algum jeito de praticar isso?

Haruka sequer se esforçou para responder. Ela apenas deu de ombros.

— Eu aprendi isso ainda na infância, eu não lembro mais como foi.

“Muito esclarecedor. Você me tirou da cama no meio do dia pra isso?”. Mas é claro que não podia dizer algo assim na cara dela, então manteve uma expressão calculadamente sincera.

— Se isso não for uma pergunta indiscreta, há quanto tempo foi a sua infância?

A pergunta pareceu agradar Haruka.

— Aki e eu temos seiscentos anos. Quer dizer, talvez algum número quebrado entre quinhentos e sessenta e seiscentos e quarenta, mas os detalhes não são importantes.

— Ele é o mais velho?

— Por cinco horas inteiras. — Haruka deu um sorriso de lábios fechados que de alguma forma conseguiu ser mais predatório do que quando ela mostrava as presas.

— Vocês são gêmeos!

Imediatamente após soltar essa exclamação, Daisuke se arrependeu. Quanto menos comentasse sobre a vida de Haruka, melhor. Mas parecia uma coincidência tão grande que ele fosse gêmeo e Haruka fosse gêmea…

“A vida tem dessas.” Pensou, com firmeza, e voltou a prestar atenção em Haruka.

— Gêmeos entre vampiros são uma coisa rara, então todas as famílias puro-sangue do velho mundo nos mandaram presentes. A família Amari me mandou miniaturas de marfim mostrando casais se amando. — ela deu uma gargalhada — Mamãe só me deixou vê-las quando eu tinha 300 anos.

— O que eles mandaram para o Akihito?

— Algum tipo de arma. Aki ganhou tantas que é difícil lembrar qual é qual. Ele nunca ligou muito pra elas.

Essa era uma informação interessante. Será que Akihito tinha algum hobby? Haruka tinha inúmeros, mas era difícil imaginar Akihito fazendo qualquer coisa por diversão. Quer dizer, ele certamente parecia estar se divertindo ao ameaçar os colegas caçadores de Daisuke, mas não era a mesma coisa. Não dava pra imaginar Akihito se esgoelando num karaokê ou tendo algum tipo de coleção antiquada como selos ou moedas.

Antes que Daisuke pudesse pensar numa resposta apropriada, Haruka mudou de assunto de novo.

— Erga o seu copo.

Ele havia pedido uma água para justificar ocuparem a mesa. Haruka pedira um chá, mas devia estar acostumada a uma qualidade de produto muito diferente, pois após sentir o cheiro da bebida ela simplesmente se recusara a beber e uma garçonete muito encabulada levou o chá de volta para a cozinha.

Sem discutir, Daisuke começou a erguer o copo. Haruka estendeu a mão e o empurrou pra baixo. Um pouco confuso, Daisuke deu uma olhada rápida pra ela, confirmando se deveria continuar a levantar o copo.

— Se esforce. — ela incentivou, e aumentou a pressão.

Ele teve que usar muito mais força do que o que seria razoável para impedir o copo de voltar à mesa, e a subida era lenta.

— Quando você estiver usando o poder do sangue, tente manter ele ativado mesmo depois que eu soltar o copo.

Não foram tão longe assim. O copo arrebentou.

Haruka olhou curiosa para os pedaços de vidro quebrado.

— Você não tinha que apertar o copo, sabe?

Para ela, o controle da força vampira era tão mais suave.

Uma garçonete preocupada apareceu para retirar o copo quebrado. Com uma expressão de superioridade, Haruka virou para ela, emanando Influência. O poder não era dirigido a ele, mas Daisuke tinha a impressão de que a ideia que Haruka tentava transmitir era “não houve nenhum problema aqui”. Com uma única frase a vampira convenceu a moça a deixá-los em paz, e Daisuke empurrou cuidadosamente os cacos de vidro para o lado.

— Creio que isso tenha lhe dado uma ideia do que você precisa praticar.

Daisuke assentiu, sem dar voz a suas inúmeras perguntas: quanto tempo era considerado normal e necessário para dominar a arte? Onde poderia praticar sem correr riscos? Quais ideias eram mais adequadas para tentar transmitir através da Influência? O que fazer se o método proposto por Haruka não desse resultados?

Ele aguardou até que Haruka tomasse as rédeas da conversa novamente. Puro-sangues eram muito particulares sobre terem sempre o controle da situação.

— Então, você quer saber sobre Hong Kong.

— Apenas se você quiser me contar.

Haruka assentiu, satisfeita

— Se você vai trabalhar para mim, é importante que você saiba.

Que orgulho do nosso menino Daisuke tentando aprender habilidades de vampiro, não? Não percam o próximo capítulo, quando falaremos sobre o que aconteceu em Hong Kong.

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