Técnicas Sanguíneas - Capítulo 24

No qual Daisuke explica suas motivações

Tempo estimado de leitura: 10 minutos

Fala se o Daisuke e a Nathalie conversando não são um par de iti malias que bebem sangue? 🥺

E hoje eles vão falar sobre os outros ex-caçadores tranformados.

Banner de fundo degradê preto em cima e vermelho escuro em baixo, com vinhas e pétalas douradas espalhadas ao vento, e o título "Técnicas Sanguíneas" em uma fonte serifada, vermelha com efeitos metálicos. Acima e abaixo do título, na cor branca: A. C. Dantas, e parte 2.

Aviso de conteúdo:esta é uma história de vampiros. Sangue e gente escrota manipuladrora são esperados. Para conseguir o que querem, vampiros vão recorrer a técnicas de coerção e manipulação variando desde gaslighting, ameaças, e violência física e psicológica. Podem ocorrer também menções ou alusões a abuso sexual.

Capítulo 24

No qual Daisuke explica suas motivações

— Daisuke, se a Haruka não tem sangue primário... por que você não foge?

Se Daisuke não estivesse se perguntando sobre Nathalie gostar ou não de sangue humano cinco minutos atrás, ele teria ficado muito ofendido com a pergunta. Na conjuntura atual, ficava apenas triste. Não triste com a pergunta, mas triste porque ele mesmo não se sentia satisfeito com a resposta.

— Eu não vou deixar de ser um vampiro, não importa pra onde eu vá. — deu de ombros — Então eu tentei me matar de fome.

— Eu também tentei... mas daí... sangue primário.

— Eu imagino. Eu... não tive esse problema. Então eu estava há um mês e meio esperando a noite que eu não ia mais acordar. Foi então que... você sabia que a Haruka tem uma técnica sanguínea?

Nathalie sacudiu a cabeça.

— Eu também não sabia. Um dos vampiros do Akihito me atacou, e eu reagi. E eu estava com tanta fome, eu nem precisava ficar com a consciência dividida por machucar um inocente, sabe? O sangue dele... parecia estragado. Comida passando da validade. Eu nem liguei. Eu estava com tanta fome... e então eu comecei a vomitar. O sangue da Haruka cria dependência. Nenhum outro sangue serve. O outro cara teria me matado se ela não tivesse aparecido. Ela me salvou e me deu sangue de novo. Eu aguentei mais uns dois, três meses. Daí a Alana me atacou.

— Oh.

O silêncio agora não era desconfortável, apenas reflexivo.

— Então você parou de tentar morrer de fome?

— Morrer de fome é uma morte muito lenta. Eu não sou tão suicida assim. Quando eu descobri que atacar um ser humano aleatório está fora de cogitação… eu achei que não tinha mais motivo pra isso.

Nathalie havia cruzado os braços. Como ela usava uma blusa de manga comprida, a impressão geral era de que ela estava com frio, mas Daisuke sabia que isso não era possível. Reparando no escrutínio, ela se forçou a relaxar a postura.

— Agora eu estou com uma invejinha básica. Queria eu não ter o risco de atacar um humano aleatório. Sua vez de perguntar, eu acho.

Foi com muito esforço que Daisuke se impediu de perguntar sobre os hábitos de caça de Nathalie. Apesar do acordo, ele tinha certeza de que era algo extremamente pessoal, e queria revitalizar um pouco o relacionamento antes de entrar nas perguntas bombásticas.

“Ok, ela me fez uma pergunta bombástica, mas devolver na mesma moeda não me parece muito…” ele não tinha certeza se completava a frase com “muito cristão” ou “muito cavalheiro”, porque nenhuma dessas duas coisas haviam sido parte da sua identidade quando vivo. Eram apenas conceitos vagos arquivados na seção de “coisas para ensinar as pessoas a serem bons seres humanos”. Agora nem humano ele era.

Percebeu que estava divagando, e para não deixar Nathalie esperando, fez um comentário casual:

— Da última vez que eu te vi, seu cabelo estava bem mais azul. — como a declaração pareceu deixá-la confusa, ele explicou — Na mansão do Akihito. Em uma das visitas da Alana. Eu tentei te procurar, mas eu meio que fui atacado pela Alana no caminho. Isso varreu da minha cabeça preocupações com a minha vida social por meses.

— Faz sentido.

Nathalie pareceu divagar também. Talvez o comentário tocasse em algum ponto mais reflexivo do que o esperado.

— O azul é… — ela hesitou e começou de novo — Quando meu cabelo fica azul…

Ela fez várias tentativas, mas sempre parava no meio.

— Eu usei todo o azul. — ela finalmente soltou, de uma vez só, como se tivesse medo de não conseguir terminar a frase.

— Essa é a coisa mais críptica que você já me disse.

Nathalie estava amuada.

— A… ela… nos proíbe de dar detalhes sobre… bom… ela… e… argh, isso é muito difícil! Eu não posso falar sobre nada do grupo fora da base.

— Ah! Agora tudo faz mais sentido. — se Alana usara o sangue primário para proibir sua gangue de falar sobre ela, não era à toa que permanecia uma existência misteriosa, sendo considerada pelo Departamento de Contenção de Eventos Paranormais a figura hipotética do Vampiro X. — Mas se eu adivinhar, você acha que consegue confirmar?

Ela olhou para ele, pensativa. Por um lado, parecia curiosa para testar. Por outro, talvez temesse a reprimenda de Alana.

— Mas só quando for sua vez de perguntar de novo.

Daisuke colocou uma mão sobre o peito, soando teatralmente ofendido.

— Como assim? Eu ainda nem fiz a minha pergunta! Tudo o que eu fiz foi um comentário inocente, um comentário inocente que você sequer conseguiu responder. É muita ousadia da sua parte dizer que não é mais minha vez!

Dessa vez Nathalie riu de verdade, e Daisuke conseguiu ver o brilho das lâmpadas fluorescentes nas presas dela.

— Tá bem, tá bem… pergunte.

— Você também ganha poderes de gelo por ser prole da Alana?

Nathalie respirou fundo, provavelmente pelo apoio moral, e assentiu. Pelo jeito não tivera nenhuma reação adversa do sangue primário, pois suspirou de alívio.

— Se eu pedir com jeitinho, você me mostra?

— Não dá. É contra as regras.

Uma longa pausa, durante a qual o garçom trouxe a água de Nathalie e a mocha caramelada de Daisuke. A vampira sequer tocou a sua água, mas quando viu que Daisuke chegava na metade da bebida dele, acabou tomando um golinho tímido.

— Isso é bem inútil, né?

Daisuke deu de ombros. Nathalie finalmente tomou coragem para retomar o assunto que a preocupava.

— Então, você também não pode fugir, porque precisa do sangue dela. — foi a vez de Daisuke assentir — Por isso você faz o que ela manda e em troca ela te alimenta.

— É… mais complicado que isso.

Daisuke começou a contar sobre suas excursões noturnas e seu contato com Charlotte. Nathalie bebia cada palavra com avidez, ela também conhecia aquelas pessoas. Fazia tanto tempo que não falava com alguém, falar de verdade, sendo ouvido. Era como receber um abraço. Como vampiro, não estava particularmente ansioso por um abraço real — as presas da outra pessoa passavam desconfortavelmente perto do seu pescoço —, mas estava morrendo por essa sensação de intimidade e “quentinho”.

Quando chegou na parte sobre Akihito aparecendo na lanchonete e Haruka quebrando todos os seus ossos, Nathalie fez careta.

— Eu nunca nem precisei me curar. — ela admitiu — Eu não sei se saberia como fazer.

— Eu espero que você não tenha que descobrir tão cedo.

Cada um se afundou nos próprios pensamentos, até que Nathalie disse de repente:

— Sabe qual a pior parte do que você me contou? Que você não ganhou nada por passar essas informações pra eles. Normalmente quando a gente tem um informante a gente tem uma moeda de troca. Almoço grátis, tirar um ou dois crimes da sua ficha, proteção contra um peixe maior... Você é provavelmente o único segunda classe que podia entregar essas informações assim. Eles podiam ter pelo menos te levado ao cinema.

Daisuke não tinha ideia do quanto precisava ouvir aquilo. Enquanto se encontrava com Charlotte ele havia racionalizado que os policiais não tinham tempo, ou que não tinham provas de que era seguro andar com ele, mas depois da interrupção de Akihito estava ficando mais difícil acreditar nessas desculpas. O fato de Nathalie — que também conhecia essas pessoas e as regras do DECEPA — verbalizar que ele fora usado pelos caçadores dava a ele permissão de finalmente vivenciar o luto por uma amizade perdida.

— Enfim... enquanto eu estava caído aos pés da Haruka com todos os ossos quebrados ela disse... que ela tinha tempo para "lidar" comigo. Nat... ela tem o poder de me matar na hora que quiser, com o adicional de ser a única pessoa que pode me alimentar. Os vampiros do Akihito já dizem que eu sou o bichinho de estimação dela, eu não ia deixar ela passar uma década me adestrando pra... — Daisuke parou, a vontade de falar sumindo, algum instinto vampiro querendo evitar se expor, detestando demonstrar vulnerabilidade. Forçou-se a continuar — Imagina um ratinho de laboratório. Que você dá choque até ele parar de apertar o botão que você não quer. É claro que eu tenho medo de morrer, mas eu tenho mais medo… disso. De ser condicionado até fazer o que ela quer sem pensar. Como se eu não soubesse mais o que é certo e errado. Eu prefiro... eu prefiro trabalhar pra ela sabendo que foi escolha minha do que a possibilidade dela me adestrar até eu virar alguma coisa do gosto dela.

Pela expressão de Nathalie, o que Daisuke acabara de descrever era familiar o suficiente para que ela sentisse a dor na pele. Ela lhe estendeu um sorriso triste.

— Você acha todos os vampiros passam por isso?

Daisuke pensou nas informações de Charlotte.

— Os nossos, com certeza. O Moxley deve ter tentado fugir, e por isso o mataram.

Isso fez com que a vampira parasse para ponderar.

— Eu, você, Moxley, Nando e Pietro… você disse que foram sete, não foram?

— O Nando e o Pietro? A Alana… ?

Ela assentiu.

— Eu achei que você não podia falar sobre…

— Eu não poderia, se eles estivessem vivos.

— Como eles… — Daisuke começou, preocupado, mas parou quando Nathalie balançou a cabeça. Assuntos da gangue de Alana, então.

Nathalie suspirou.

— Eu tenho medo de ir atrás dos outros e descobrir alguma coisa horrível.

— Tipo a possibilidade deles estarem gostando disso?

A pergunta de Daisuke foi feita num tom mais afirmativo do que qualquer coisa, e englobava a lanchonete, a noite, o vampirismo.

Em vez de comentar, Nathalie deixou o silêncio seguir o curso natural.

— Era a vez de quem perguntar?

— Eu esqueci. Você quer… ? — mas ela negou com a cabeça, então Daisuke tomou coragem e continuou. — Bom, nesse caso… eu queria saber com que frequência você sai pra caçar.

— Hm. Eu estava caçando a cada três dias mas… não estava dando certo. Eu… caçando de três em três dias eu tinha 50% de chance de perder o controle e acabar matando alguém. Agora eu estou tentando caçar todo dia e beber menos sangue de cada pessoa. Por enquanto parece que está funcionando. Que tipo de coisa a Haruka manda você fazer?

A mudança de resposta para pergunta foi tão abrupta que Daisuke teve certeza que que a colega não se sentia confortável com o tema.

— Geralmente, servir de motorista. Mas às vezes… uma vez… ela mandou eu trazer alguém pra ela beber o sangue. E outra vez ela me mandou distrair alguém enquanto ela se alimentava. Como você caça?

— Eu ando na rua e espero um homem me importunar. Você ainda sente vontade de beber sangue humano?

— Ainda cheira bem, mas não parece mais comestível. Em que territórios você caça?

Nathalie pensou um pouco, decidindo se podia responder essa.

— Só na área neutra. Mas nós temos passagem no território do Akihito.

Anos de prática como caçador de vampiros diziam a Daisuke que a gangue de Alana não podia ser muito grande. A área neutra podia ser uma zona comercial apinhada de gente, mas vampiros não gostavam de caçar muito próximos uns dos outros. Considerando todas as gangues que caçavam lá, o espaço era tremendamente limitado.

Isso o levava a questões sobre a quantidade de vampiros na cidade. Os caçadores estimavam uns cem divididos entre as gangues. Agora que estava atrás das linhas inimigas, Daisuke sabia que eram mais. Com certeza não chegavam a duzentos, mas talvez 150? Todos eles caçavam todo dia? Com certeza nem todos eles matavam todo dia, mas quantas das mortes registradas em um ano eram causadas por vampiros? Eddy, o Nerd, gostava de estatísticas. Se ele tivesse as informações que Daisuke tinha hoje, criaria uma estimativa para as coisas que Daisuke queria saber.

— Você acha que a gente consegue encontrar os outros? — se pegou perguntando.

— Você quer? — Nathalie o encarou.

— Eu sinto falta de ter uma vida social, Nat. Inclusive, eu queria te ver mais, se você puder.

Isso a desarmou. Ela baixou os olhos e sorriu.

— Parece uma boa.

Nesse ponto até a pequena lanchonete noturna parecia prestes a fechar. Combinaram uma data na semana seguinte, os dois cientes de que a data teria que ser aprovada por suas respectivas criadoras.

No próximo capítulo exploramos os usos que Kim confere ao seu tempo e ao seu celular.

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