Técnicas Sanguíneas - Capítulo 22

No qual Daisuke começa a perseguir seu próximo objetivo

Tempo estimado de leitura: 9 minutos

Além do Wilson, semana passada vocês também tiveram o primeiro vislumbre do Kim. Ah, Kim. Mais um personagem sobre o qual eu tenho sentimentos conflitantes. Como ele é outra figura que por necessidade orbita a Haruka, vamos acabar vendo ele por aí com certa frequência.

Estou curiosa: quais são os seus personagens favoritos até agora? Quais figurantes vocês gostariam de ver mais? Algum evento ou detalhe da construção de mundo que vocês acham digno de nota? Respondam o e-mail e me contem, ou comentem on-line no fim do post ou na rede social de sua preferência!

Com vocês, o capítulo vinte e dois.

Banner de fundo degradê preto em cima e vermelho escuro em baixo, com vinhas e pétalas douradas espalhadas ao vento, e o título "Técnicas Sanguíneas" em uma fonte serifada, vermelha com efeitos metálicos. Acima e abaixo do título, na cor branca: A. C. Dantas, e parte 2.

Aviso de conteúdo:esta é uma história de vampiros. Sangue e gente escrota manipuladrora são esperados. Para conseguir o que querem, vampiros vão recorrer a técnicas de coerção e manipulação variando desde gaslighting, ameaças, e violência física e psicológica. Podem ocorrer também menções ou alusões a abuso sexual.

Capítulo 22

No qual Daisuke começa a perseguir seu próximo objetivo

Quando Kim fechou a porta corrediça atrás de si, Daisuke continuou encarando a porta como se um alienígena tivesse acabado de sair dela. Havia um certo humor em pensar que um vampiro era menos estranho que um alienígena. Refletir sobre isso o fez perceber que sua cabeça estava girando. Daisuke não ouvia mais nada, mas Haruka ainda estava atenta ao som de passos no corredor. Por fim virou-se para seu segunda-classe:

— Creio que você e Kim ainda não haviam sido apresentados.

Daisuke se forçou a voltar do mundo da lua.

— Você nunca mencionou que tinha outro segunda-classe.

— Oh, Kim não é meu segunda-classe. Ele é prole do Aki, mas meu irmão o deu para mim para me animar depois de Hong Kong.

“Ele o deu para mim”. Sempre se referindo aos segunda-classes como objetos. Daisuke notou que ela mencionava bastante Hong Kong.

— Eu não me lembro de tê-lo visto na mansão.

— É claro que não. Kim esteva banido.

As implicações disso o fizeram gelar por dentro.

— Há… há quanto tempo ele está banido?

Ela estranhou a pergunta, mas considerou por alguns instantes antes de responder.

— Mais ou menos desde que eu te trouxe. Por que?

— Se ele estava banido da casa... como você estava alimentando ele?

— Eu enviava uma garrafa de sangue a cada um ou dois meses. — ela disse casualmente. Daisuke tinha tantas perguntas. Quanto tempo o sangue durava armazenado? Isso era uma coisa que vampiros normais podiam fazer, ou apenas a progênie de Haruka, permanentemente dependente do sangue de sua criadora? O que acontecia com o gosto do sangue armazenado?

Acima de tudo ele se perguntava o que Kim havia feito para ser banido por mais de um ano, e se devia se preocupar em sofrer o mesmo destino.

De repente Haruka o tirou de suas reflexões. Finalmente havia olhado de verdade para ele, e notava o estado de fraqueza e tontura no qual ele se encontrava. Franziu as sobrancelhas.

— Você andou tentando beber sangue de alguém?

Ele sacudiu a cabeça.

— Não de propósito. Batizaram a minha bebida.

A vampira teve meio segundo de confusão sobre o uso da palavra “batizar”, mas inferiu o significado pelo contexto.

— Constantino?

— Wilson.

Daisuke contou a ela tudo o que ocorrera naquela noite. Se forçou a mencionar detalhes, como a numeração das salas no prédio de escritórios. Esse tipo de detalhe podia permitir que alguém que conhecia bem a cidade deduzisse a localização do escritório. Era o tipo de inteligência valiosa para líderes de gangue.

Quando terminou, Haruka ficou em silêncio, pensativa. A última coisa que Daisuke queria era interrompê-la, mas a noite estava acabando e ele estava faminto. Seu cérebro continuava voltando para a visão de Kim debruçado sobre o braço ensanguentado de Haruka. Finalmente ela falou:

— Isso é tudo, Daisuke?

— Eu… eu queria um pouco de sangue.

Haruka suspirou.

— Eu deveria ter esperado por isso. Muito bem. Não é como se Kim tivesse bebido muito.

E agora parecia claro porque algumas noites Haruka se sentia “indisposta”: havia competição pelo sangue dela.

***

“Então, ele é um subordinado do Akihito.”

Na verdade, Kim se parecia mais com um subordinado do Akihito do que os outros subordinados do Akihito. Han, Iseok e Kamino só apareciam de terno quando Akihito os chamava para uma reunião ou quando visitas importantes vinham à mansão, mas Kim estava sempre de terno. Daisuke achava que era por isso que não ia com a cara dele.

Kim tinha um quarto não muito longe do de Daisuke, e de repente o ex-caçador se deu conta de que aquela seção inteira da mansão era dedicada aos subordinados de Haruka. No momento ela só tinha dois, e por isso enquanto Kim estava banido aquela área parecia tão vazia de movimento.

Daisuke nunca gostara de ficar na mansão, mas o risco de topar com Kim pelos corredores tornava a perspectiva ainda pior. Se possível queria passar alguns dias acampando em esconderijos aleatórios, mas ultimamente Haruka sempre parecia precisar dele para alguma coisa: levá-la para uma galeria de arte, buscar um casaco caro na lavagem a seco, reportar a atividade das gangues de Weiss e Agonglô. Com uma certa frequência Daisuke cruzava com Kim quando estava indo ou voltando dessas atividades. Tinha certeza de que Kim também não ia com a cara dele.

Esse surto de atividades noturnas o impedia de fazer uso da permissão de livre circulação de Constantino.

“Se ela não fosse uma miserável preconceituosa, podia ter um aliado valioso.”

Claro, talvez ela não quisesse um aliado. Mais de uma vez, enquanto Haruka o convocava para ser motorista ou garoto de entregas ou abridor oficial de portas, ele se perguntava se todo o discurso dela sobre desejar independência do irmão não era só uma fase rebelde, uma vontade vazia de mandar em alguém que era apaziguada quando ela mandava Daisuke para lá e para cá.

As coisas que Daisuke queria, no entanto, ele não esquecia facilmente. Já obtivera o celular. Era hora de começar a buscar o próximo.

As idas a galerias de arte eram uma oportunidade para falar com sua criadora sem a preocupação de ouvidos espiões.

— Haruka... se só tem três puro-sangues na cidade, isso faz da Alana o quê?

Daisuke perguntou uma noite, estudando o rosto de Haruka cuidadosamente pelo espelho retrovisor. Pior do que quando ela se irava era quando a expressão dela era completamente neutra.

— Primeira-classe.

Daisuke já havia praticado esse diálogo em pensamento inúmeras vezes, mas ainda assim achou melhor prosseguir com cuidado, fazendo uma pausa antes de perguntar:

— É por isso que você não a vê mais?

Haruka apertou os olhos.

— Por que o interesse repentino?

— Não é repentino. Eu só não perguntei antes porque estava esperando… — "você confiar em mim". Parou sem terminar a frase. Com o nível de confiança atual entre eles uma declaração dessas seria muito suspeita. — Tem uma vampira na gangue dela. Ela… foi transformada na mesma época que eu. Nós trabalhávamos juntos.

— Hmm. — Haruka se empertigou, interessada, mas esperou que Daisuke completasse o raciocínio.

— Eu queria saber se ela ainda está viva. E se eu poderia vê-la.

Após pensar um pouco com aquela expressão indecifrável, sua criadora assentiu.

— Alana e eu somos boas amigas. Ela pode ser só uma primeira-classe, mas ela tem uma qualidade que eu admiro. Eu vou falar com ela. Qual o nome da sua colega?

Ela não revelou qual qualidade era essa, mas Daisuke soltou o fôlego que estava prendendo.

— Nathalie.

— Muito bem. Há mais alguma coisa que eu possa fazer por você, Daisuke?

Ela não estava oferecendo sangue. Quando oferecia, ela o fazia com todas as palavras, lembrando a Daisuke que ela o alimentava. Logo após a transformação de Hana, Daisuke havia pedido dinheiro para comprar um caderno, e antes de comprarem os celulares Haruka o fizera comprar um par de óculos escuros, mas fora isso ele nunca pedira nada. Já dependia demais dela.

“O que é exatamente o que ela quer…”

— Haruka, por que você disse que eu sou um desastre levando você para o Teatro de Ópera?

Ela piscou e o considerou com mais atenção.

— É um lugar elegante, Daisuke. É esperado que até os motoristas estejam bem vestidos.

Ele não gostava de dizer aquilo, mas sua relação com Haruka era uma troca, e se ele pretendia pedir favores maiores, precisava mostrar um comprometimento maior.

— Você acha que eu deveria usar um uniforme? — e, quando ela assentiu: — Você quer escolher um, ou eu me encarrego disso?

— Vou deixar essa tarefa à sua discrição.

Dirigiram o resto do caminho até o centro comercial em silêncio, e enquanto Haruka se divertia em suas boutiques de gente rica, Daisuke olhava uniformes de chauffeur no celular. Quando Haruka retornou, os passos até mais leves por conta do banho de loja, ele mostrou a ela o modelo que escolhera.

Haruka tomou o celular da mão dele e analisou longamente as fotos. Por tanto tempo que Daisuke ficou em dúvida se ela estava tendo problemas em manusear a tecnologia, mas não parecia ser esse o caso: ela clicava com destreza nas informações adicionais e dava zoom nas imagens. Por fim deu seu veredito:

— Esse parece adequado. Você quer parar na loja no caminho pra casa?

Daisuke demorou alguns segundos para entender.

— É uma compra online, Haruka. A loja nem fica nesse estado.

— E como você vai comprar nela, então?

A pergunta o desarmou. Mesmo que Haruka não tivesse tido contato com a internet, certamente ela devia conhecer o conceito de catálogo de compras? Receber um catálogo da loja, e enviar pelo correio uma lista de compras e um cheque? Seus avós haviam comprado coisas assim, nos idos de mil novecentos e bolinha.

— Bom… — ele tentou organizar os pensamentos. — A loja tem uma conta bancária. Nós fazemos o pedido, e usamos a internet para fazer uma transferência para a loja. A loja recebe o nosso pedido, confirma que recebeu o pagamento, e envia o produto pelo correio.

— Mas sem passar o cartão de crédito em lugar nenhum?

— O número do cartão de crédito é cadastrado no site.

Haruka assentiu devagar, mas parecia que tinha mais alguma coisa a dizer.

— E o cadastro fica no site pra sempre? E você pode comprar cosias no cartão de crédito a hora que quiser?

Ele abriu a boca para responder, mas Haruka não lhe deu oportunidade.

— Eu não gosto disso, Daisuke. Não é pra você ter meu cartão disponível a hora que quiser. Quando você precisar de alguma coisa você tem que me pedir.

Por um instante — um instante fugaz — Daisuke achou que fosse uma questão de responsabilidade financeira. E então a ficha caiu. Não era como se fosse novidade que Haruka queria controle sobre a vida dele, mas o fato de que ela não se dava sequer o trabalho de fingir era profundamente atormentador. Devagar, ofereceu a ela outra opção:

— Tem o pagamento por boleto também. Depois de gerar o boleto tem até três dias para pagar, e dá pra pagar numa lotérica. — que só ficava aberta durante o dia — Em dinheiro. — como faziam os antigos sumérios.

— Muito bem. Faça isso.

Daisuke assentiu e se virou pra frente, finalmente dando a partida no carro.

Dessa vez o silêncio o estava enlouquecendo. Se não falasse nada, ficaria revivendo em círculos a linha de pensamento que lhe lembrava de que, para Haruka, ele não tinha direito a nenhuma dignidade humana.

— Sobre a Alana… — sem querer voltou no assunto anterior. Parecia seguro. — Ela faz parte do acordo de livre circulação do seu irmão?

E Haruka riu.

Foi a coisa mais inesperada da noite, a risada aguda da vampira desaparecendo suavemente conforme ela se compadecia da expressão surpresa dele.

— De jeito nenhum. — Haruka disse com um sorriso enorme que mostrava as quatro presas — Ela quase o matou.

Aqui eu admito que vou ser uma pessoa ruim e segurar a história de como a Alana fez isso por um tempo. MAS, para me redimir, no próximo capítulo aparece a Nathalie <3

Não percam o próxmo capítulo, no qual Daisuke e Nathalie ficam reticentes sobre etiqueta.

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