Técnicas Sanguíneas - Capítulo 20

No qual favores são cobrados

Tempo estimado de leitura: 11 minutos

Estamos de volta com a nossa programação semanal de Técnicas Sanguíneas. O que vocês estão achando até agora? Você pode responder esse e-mail e me falar das suas partes favoritas e de outros momentos que queria ver!

No boletim da semana passada esqueci de deixar links para o perfil com as artes da Duca e o making-off de Urbânides. Já corrigi na versão on-line, mas pra quem olha mais pelo e-mail estou corrigindo aqui.

Semana passada também saiu meu texto sobre livros com histórias de viagem no tempo, confiram no site do “Verifique antes de ler”! (E se inscrevam também. É legal!)

Por enquanto mais nada a declarar, aproveitem o capítulo!

Banner de fundo degradê preto em cima e vermelho escuro em baixo, com vinhas e pétalas douradas espalhadas ao vento, e o título "Técnicas Sanguíneas" em uma fonte serifada, vermelha com efeitos metálicos. Acima e abaixo do título, na cor branca: A. C. Dantas, e parte 2.

Aviso de conteúdo: esta é uma história de vampiros. Sangue e gente escrota manipuladrora são esperados. Para conseguir o que querem, vampiros vão recorrer a técnicas de coerção e manipulação variando desde gaslighting, ameaças, e violência física e psicológica. Podem ocorrer também menções ou alusões a abuso sexual.

Capítulo 20

No qual favores são cobrados

— Haruka, você gosta de cerejeiras?

— Quem não gosta de cerejeiras? — ela devolveu com um sorriso. Daisuke supôs que concordava com ela. Nunca tinha visto cerejeiras na vida real, mas pelas suas experiências com anime, não imaginava alguém que dissesse "minha nossa, como eu odeio cerejeiras!". Que tipo de maluco gastaria neurônios odiando árvores?

— O bosque de cerejeiras do Parque Açucena está florido. Dá pra fazer um hanami. — pensar sobre cerejeiras desbloqueou vocabulário dos seus dias de assistir anime. Hana, flores. Mi, olhos. Observar as flores.

Haruka pareceu gostar da ideia.

— Você as viu?

— Não. Weiss me pediu para te dizer isso. Que as cerejeiras floriram, não a parte do hanami.

— Hmm. — a expressão da vampira se fechou. — É muito atrevimento da parte dele.

“Agonglô te chama para ir à ópera o tempo todo…” mas é claro que Agonglô podia convidá-la para ir a lugares. Na concepção de Haruka, ela e Agonglô eram iguais, enquanto Weiss era refugo social.

Estava um pouco estranho lidar com ela depois de descobrir a extensão do desprezo da vampira não só por segunda-classes, mas também pelos misteriosos vampiros de primeira-classe. Sabia que Alana pertencia a esse segundo grupo, e talvez isso fosse um impedimento para que Daisuke conseguisse o segundo objetivo da sua lista.

Ele queria ver Nathalie.

Se Haruka desprezava tanto Wilson e até Weiss, por que havia feito amizade com Alana? Ou será que havia aceitado a presença da outra sem saber da sua origem e uma grande revelação dramática abalara a amizade das duas? Afinal, faziam meses que Alana não visitava a mansão. Amigos humanos podiam passar anos sem se ver, mas amigos humanos tinham empregos, família, problemas de saúde e outros impedimentos para visitas. As duas vampiras não tinham nada disso, mas em compensação eram imortais. Com que frequência era saudável visitar seus amigos quando ambos viveriam para sempre?

Ou será que viveriam?

Haruka mencionara que era filha e neta de vampiros. Se nenhum deles tivesse morrido, a família contava com pelo menos oito vampiros. Com que idade vampiros puro-sangue tinham filhos? Com que frequência? Quando eles paravam? Mesmo colocando um milênio entre uma geração e outra, se ninguém nunca morresse, eventualmente os vampiros começariam a se acumular.

Não achava que seu relacionamento com Haruka permitia que perguntasse “vem cá, quando é que gente como você morre?”, então esperou que ela o dispensasse depois de fazer seu relatório.

Andando pela cidade, seus pensamentos eram constantemente atraídos para a questão de como faria para perseguir o seu Objetivo 2 de 3. Nesse estado de espírito a ligação de Bárbara foi uma distração mais do que bem vinda. Ou pelo menos ele assumiu que a ligação fosse de Bárbara, porque apenas duas pessoas tinham o seu número, e o contato de Haruka estava salvo. Até agora não havia recebido nenhuma ligação de telemarketing, e não sabia se era porque o número era novo, se era porque operadoras de gente rica funcionavam de um jeito diferente ou se Haruka adquirira seu chip mediante um contrato demoníaco.

O fato é que as chances eram que o número desconhecido fosse Bárbara.

Daisuke atendeu, mas a pessoa do outro lado da linha não disse nada. Quase no automático ele recorreu a um truque que fazia amigos rirem e telemarqueteiros desligarem:

— Casa da salada, qual é o seu pepino?

Bárbara riu. O riso deixou claro que era ela.

— Eu vou salvar o seu contato assim.

— Tudo bem. — ele sorriu.

Houve uma pequena pausa.

— Você está sozinho? — Bárbara perguntou.

Daisuke estava no território de Weiss, explorando apesar dos olhares tortos que recebia. Eram muitos parques e áreas residenciais, e até agora não encontrara nenhum estabelecimento noturno que não constasse no mapa. Pelo menos não um de uso humano. Tinha quase certeza que havia localizado dois ou três locais que a gangue de Weiss usava para socializar, na falta de uma academia no porão. Nos territórios vizinhos Yukio nunca o seguia, mas Daisuke continuava tomando cuidado para localizar e despistar possíveis perseguidores.

— Creio que sim.

— Ótimo. Meu pai tem uma tarefa pra você, veja se você está disponível semana que vem.

Daisuke concordou e desligou.

Salvou o contato como “SPAM INTERNET FIBRA ÓTICA NÃO ATENDER”.

***

Haruka estava lendo sobre as atrações turísticas da Cidade Alfa quando Daisuke pediu para vê-la. Quando pesquisara o assunto, uma dúzia de vídeos haviam surgido na tela. No começo Haruka até os assistia, mas depois de um tempo se cansara deles. Gostava de vídeos de lugares que não tinha a perspectiva de visitar ainda este século, mas sentia que assistir um vídeo sobre um lugar quando podia simplesmente ir lá não tinha tanta graça.

— Eu recebi aquela ligação que estava esperando. — Daisuke informou. O jeito como ele sempre assumia que um dos informantes de Akihito estava entreouvindo a agradava.

— Constantino disse o que vai querer que você faça?

— Eles me disseram pra ir lá.

Haruka assentiu.

— Isso não vai ser uma coisa única, não é mesmo? Enquanto Hana estiver lá, ele vai arranjar periodicamente alguma coisa para você fazer.

Viu quando seu subordinado ficou tenso. Podia imaginar o que se passava na cabeça dele: medo de que ela o forçasse a abandonar Hana à própria sorte para evitar a associação com Constantino. Não faria isso. A avó de Hana a servira bem durante seus dias de dissociação em Gyeongseong, queria que a garota ficasse viva por mais algum tempo.

— Só me mantenha informada. É bom saber em que tipo de negócios os outros donos dessa cidade estão envolvidos.

***

— Daisuke. É muito bom tê-lo aqui.

— Como está a Hana?

Daisuke havia entrado no território de Constantino pela área neutra, numa região próxima ao território de Wilson. Era a região menos provável para cruzar com um subordinado de Akihito.

Queria ter apreciado a caminhada com calma — fazia mais de um ano que não passava por aquela parte da cidade — mas os olhares das sentinelas de Constantino o incitavam a chegar o mais rápido possível no escritório do… não era um puro-sangue. Depois do que Haruka lhe revelara, tivera que refazer toda a matemática mental. Bárbara não era uma segunda-classe, era terceira. Não tinha certeza do que isso significava. Mesmo sendo um segunda-classe, Constantino era incontestavelmente mais forte do que ele. Será que isso tornava seus terceira-classes mais fortes também? Bárbara era da gangue de Constantino desde que haviam começado a manter registros sobre as gangues, então ela com certeza era forte, mas e os filhos dela? Como um quarta-classe de Constantino se comparava com um terceira-classe de Akihito?

O vampiro mais velho sorriu.

— Eu fico feliz que você não se esqueça dela. Hana está bem. Ela está dividindo um apartamento com as trigêmeas.

Daisuke achou o evento irônico. As três mulheres que ele, Charlotte, Nathalie e Moxley haviam falhado em salvar, e a garota que ele mesmo havia transformado. Mas talvez fizesse sentido. As “trigêmeas” deviam ser os membros mais novos da gangue de Constantino, ainda se adaptando à vida vampira e, portanto, boas companhias para Hana.

— Você quer vê-la?

— Eu posso?

— Eu não posso impedir você de ver sua própria filha, Daisuke. Mas eu recomendaria deixar a sua reunião para depois que você cumprir sua parte no acordo.

“Esperto, Constantino, muito esperto...” colocando o encontro com Hana como prêmio, Constantino o encorajava a cumprir bem qualquer que fosse a tarefa.

— E então, do que você precisa? — fez o possível para não soar rude, mas queria ir direto ao ponto.

Constantino acedeu.

— Creio que você sabe que a chegada do seu Akihito na nossa cidade perturbou um pouco a ordem das coisas.

Daisuke queria muito saber como a dinâmica dos líderes de gangue funcionava antes da chegada de Akihito, mas Constantino não pausou.

— Wilson é um vizinho… peculiar. Quando meu território se estendia até a zona sul da cidade minha família e eu conseguíamos manter uma distância saudável do grupo dele, mas agora os filhos dele e os meus se cruzam com muito mais frequência. Graças a Deus não houveram conflitos, mas a situação tem se tornado preocupante. Pelo que entendo, Wilson quer propor um novo arranjo. Ele me convidou para uma reunião no território dele, e estou mandando você.

Daisuke tinha muitas perguntas. Parecia ofensivo enviar um subordinado para uma reunião com outro líder de gangue — e ele tinha certeza de que a pessoa mais prejudicada com isso seria o subordinado em questão. Mas era por isso que Constantino estava mandando ele, e não um dos seus subordinados de verdade, certo?

— Então eu apareço no território do Wilson e digo o quê?

— Finja que é um dos meus. Ouça o que Wilson tem a dizer, faça perguntas, mantenha os olhos abertos, me conte o que descobrir.

Foi tudo o que Constantino lhe disse, mas Bárbara lhe deu instruções adicionais: detalhezinhos sobre a família de Constantino que seu vizinho mais antigo provavelmente conheceria, e que Daisuke faria bem em lembrar para manter a farsa.

E assim Daisuke foi enviado na direção norte. Deu a volta na zona livre, que ficava majoritariamente entre os dois territórios, e entrou nos bairros sob a administração de Wilson. Avançou lentamente, em dúvida se devia anunciar sua presença em voz alta como na primeira vez que entrara no território de Constantino. Suas indagações foram interrompidas ao ouvir um clique suave. Era o barulho da trava de segurança de uma pistola sendo removida. Não era um barulho que um humano ouviria dessa distância.

Levantou as mãos lentamente.

— Wilson chamou meu avô para uma reunião. Ele estava ocupado, então ele me mandou.

Três vampiros, um deles carregando uma pistola com balas amaldiçoadas, saíram de vários pontos de observação.

“Claramente eu não aprendi o suficiente”. Daisuke pensou nos meses sendo seguido por Yukio. Havia melhorado, mas não o bastante para notar os homens de Wilson até ser tarde demais. O fato de que eram terceira-classes ajudava a explicar o fato: o cheiro era mais difícil de detectar.

Os vampiros se entreolharam, mas então um deles pareceu alarmado e assentiu. Ele usava um fone de ouvido discreto, sem fio.

— Nosso chefe quer saber porque Constantino enviou um terceira-classe em vez de um dos filhos dele.

“Então eles contam como se Constantino fosse primeira-classe. Será que Wilson sabe que não é o caso?”

— Eu não sei. Um dos meus tios ligou, e minha mãe e meu avô decidiram ir pessoalmente. Ele disse que eu só tinha que ouvir o que Wilson tinha pra dizer.

Qualquer um dos líderes de gangue ficaria ofendido se outro vampiro enviasse um subordinado para lidar com assuntos importantes ou sensíveis, mas Daisuke torcia para Wilson não estar tão ofendido que mandasse seus subordinados matarem-no.

— Certo. O chefe falou que quer te ver, mas que você precisa ser levado vendado.

Daisuke não precisou fingir nervosismo. Não gostava de estar cercado de vampiros em geral, mas estar no território de um psicopata que não era aliado nem da sua criadora real nem da gangue de quem ele estava fingindo ser parte era um nível totalmente novo de desconforto. Estar com os olhos vendados e depender da orientação dos outros vampiros era um suplício.

Foram a pé, com os subordinados de Wilson fazendo Daisuke girar a cada duas ou três curvas no trajeto. Quando estavam satisfeitos, um deles dizia “por aqui” e Daisuke seguia o som da voz. Às vezes precisavam fazê-lo virar um pouco mais em alguma direção, e pra isso seguravam o braço dele na altura do cotovelo. Daisuke sentia repulsa pelo contato, com um impulso de ou sair correndo ou atacar quem o havia tocado, mas se conteve. Se quisessem atacá-lo, podiam ter feito isso antes mesmo que fosse vendado, e no meio do próprio território podiam receber reforços e derrotar Daisuke na pura base da vantagem numérica.

O contato parecia igualmente repulsivo para sua escolta, pois eles preferiam alertá-lo verbalmente quando ia devagar demais ou começava a se desviar acidentalmente do caminho.

Depois de quinze ou vinte minutos pararam. Daisuke sentiu a mudança no ar e no volume dos sons da cidade quando entraram em um edifício. Os subordinados de Wilson o levaram até a porta de um elevador.

— Pode tirar a venda quando a porta fechar. Décimo sétimo andar, sala 28.

Ao sair do elevador, Daisuke viu imediatamente uma placa indicando que as salas de terminação 14 a 20 ficavam à sua esquerda, e de 22 a 28 à direita. Apenas números pares. No fim de cada lado do corredor havia uma janela, mas as persianas estavam fechadas e não quis parecer bisbilhoteiro. Se Wilson não queria que Daisuke soubesse a localização do seu escritório, descobri-la e ter um líder de gangue decidindo silenciá-lo não parecia uma boa ideia.

Teve ainda mais certeza de sua decisão quando parou diante da porta numerada 1728 e uma voz masculina disse, antes que batesse:

— Entre.

Uma olhada rápida ao redor localizou a câmera de segurança. Pelo visto, Wilson acreditava em tecnologia.

Então o capítulo de hoje foi um pouco maior pra matar a saudade. No próximo capítulo, onde falamos sobre bebidas.

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