Precisamos falar sobre Marian - Nº4

Eu já falei demais ontem, fiquem com o capítulo.

Capítulo Quatro

Robin Hood e seu Bando Alegre eram notórios — ou pelo menos aqueles que o público reconhecia como parte do bando: João Pequeno, com seus inconfundíveis dois metros de altura; Will Scarlet, jovem, ágil, e sempre numa chamativa camisa vermelha; e, é claro, o próprio Robin. Seus rostos não eram exatamente conhecidos, mas descrições gerais circulavam por aí, e por isso a operação daquele dia dependia muito de disfarces e discrição.

— Ouch!!! Por que você fez isso? — Will gritou, esfregando o rosto no lugar onde o bigode falso acabara de ser puxado com força.

— Porque você estava ridículo — Robin respondeu.

— Era meu disfarce!

— Seu disfarce é uma vez na vida não usar aquela sua camisa berrante. — Robin ergueu o bigode e fechou um olho como um artista calculando proporções. — Mas talvez não ficasse tão ruim no João Pequeno.

— Ah, não! — O homenzarrão protestou.

Qualquer um que passasse por ali e visse Robin Hood e seu Bando Alegre rindo e provocando uns aos outros não imaginaria que eles estavam prestes a executar uma operação arriscada.

— Bom, eu vou andando. Não posso ser visto andando com vocês, seus paspalhos. — Allan Dale era uma figura razoavelmente popular, mas cuja associação com o bando de Robin Hood era, em geral, desconhecida. O trovador se separou do grupo. Seu trabalho era equivalente ao de uma sentinela: se a guarda do Duque aparecesse, ou a cara feia do xerife de Nothingham, Allan tinha músicas e malabarismos combinados para alertar seus companheiros.

O frei Tuck se aproximou do grupo, cumprimentando Allan com o olhar, mas de outra forma fingindo não conhecê-lo.

— Prontinho. Todos inscritos nos respectivos torneios. Eu encontrei um torneio até para mim!

O "torneio" ao qual frei Tuck se referia era uma competição não oficial de bebedeira, na qual o último homem a sucumbir à bebida não precisava pagar sua cerveja.

— Vença essa pra nós, frade! Só fique sóbrio o suficiente para fazer a sua parte — Robin admoestou.

Tuck também não se demorou com o grupo. O envolvimento do religioso com os foras da lei era suspeitado por muitos, mas nem o xerife tinha coragem de confrontar um homem de Deus sem provas concretas.

— E vocês, seus rufiões, sabem o que fazer.

O bando se dispersou.

***

Todo ano, Marian comparecia ao Festival de Primavera junto a seu pai, o Duque. Eram os anfitriões da festa e, quando um jovem nobre se destacava nos torneios, Marian oferecia a ele uma dança no banquete que encerrava as festividades. Não costumava se ressentir do fato, era apenas uma formalidade em um evento social. Mas não este ano. Este ano, seu pai havia convidado o viúvo lorde Worthington e seu filho Kendrick, e Marian sabia que o intuito era uma proposta de casamento para ela. Só não sabia qual dos dois estava pedindo sua mão.

Normalmente, Marian estaria observando as eliminatórias da competição de arco e flecha, mas não este ano. As palavras de Robin ainda doíam. Fora através da competição anual no Festival que ela o conhecera, encantada com a habilidade dele, o comportamento galante... Ela se lembrava de escapulir do camarote do pai e se misturar com os camponeses, perguntando quem era aquele, ouvir histórias das suas façanhas, e ficar ainda mais deslumbrada. Preferiu fugir dessas lembranças. Fingiu estar interessada na luta de Sir Kendrick, que competia na arena de espadas, o que agradou muito o Duque.

Os pensamentos da donzela foram interrompidos ao notar um rosto familiar na multidão.

— Quem é aquele? — Marian perguntou a um dos juízes, apontando para um jovem da sua idade que ganhava uma competição atrás da outra. Ela sabia a resposta, mas precisava ouvir do juiz qual era a história oficial.

— William Brown, milady. É a primeira vez dele no torneio, mas ele é muito bom, para um camponês.

Para um camponês. Marian se lembrava de uma vez em que Will a deixara praticar com ele. Ele havia dito que ela era boa "para uma garota". Ela respondera que ele era bom "para um camponês". Não estava preparada para o quanto a declaração o chateara. Garotos da condição social de Will podiam ter uma vida confortável e receber uma educação, mas nunca seria a melhor. Uma vida confortável, para um camponês. Uma boa educação, para um camponês. Exceto que, desde que o Rei partira nas Cruzadas, eles não conseguiam nem isso. Robin recorrera ao crime porque do contrário não conseguiria dar a Will nem mesmo o básico.

Will sempre se interessara pela cavalaria e pelos esportes da nobreza. Lembrava-se de vê-lo com Robin, apontando empolgado para as atrações da feira antes que qualquer um dos dois sequer soubesse que ela existia. Quando o bando de Robin Hood ficara famoso demais para seu próprio bem, haviam parado de frequentar o evento.

"O que você está fazendo aqui, Will?"

***

— Robert Locksley!

Na carreira de tiro, Robin armava seu arco. Quando criança, praticava atirar em um galho de salgueiro. O alvo redondo pintado era tão grande quanto um celeiro. A primeira flecha atingiu o centro.

A segunda flecha tirou uma lasquinha da primeira, competindo pelo espaço no centro.

A terceira flecha se aninhou entre as duas.

A multidão foi à loucura. Robin sentia falta de uma certa jovem dama entre os espectadores.

***

— Coloca o dinheiro no grandão!

O frade gritava, brandindo um caneco de cerveja. A competição de bebedeira acontecia numa mesa montada em frente à taverna, um ponto de vantagem para vender comes e bebes para a plateia do outro evento: a luta com bastões.

Um cambista tomou a bolsa de moedas do padre, aceitando a aposta. Os presentes achavam que Tuck estava bêbado. Tanto melhor, pois assim ninguém reparava quando suas bolsas de moedas eram discretamente recolhidas entre as dobras da batina.

***

A final era Will contra Sir Kendrick. Will tinha crescido durante o inverno, mas um estirão de crescimento adolescente não tinha como competir com os anos de "nunca passei fome na vida" de um cavaleiro adulto e treinado.

— Você luta bem... para um camponês.

Era difícil saber se Kendrick pretendia que sua fala fosse um elogio ou uma provocação, mas Will não tinha crescido apenas em altura. Era quase um adulto agora, muito diferente do garoto mal-humorado que brigara com Marian quase um ano atrás. Ele sorriu e adotou uma postura galante. Robin Hood e seus amigos não eram heróis do povo porque roubavam dos ricos para dar aos pobres: eles eram heróis do povo porque ajudavam as pessoas a recuperar a esperança há muito perdida. O Bando Alegre.

Will fez uma mesura exagerada.

— O senhor é muito gentil. Antes de duelarmos, eu gostaria de oferecer a minha possível, porém improvável, vitória à nossa bela anfitriã. Meu tio diz que nossa família precisa de uma mulher como Vossa Alteza.

"Ele diz?" Marian sabia que era uma mensagem para ela, um código, mas será que Will estava dizendo o que ela achava que ele estava dizendo?

Os nobres presentes acharam a brincadeira de muito mau gosto, e os plebeus uivaram aprovação pela ousadia do rapaz. Apenas Marian permaneceu em silêncio. Seus olhares se cruzaram. Ele estava dizendo exatamente o que ela achava que ele estava dizendo.

Robin Hood a queria em seu bando.

***

João Pequeno — Jonathan Big, no papel, porque esse era o senso de humor do frade quando efetuara as inscrições — venceu a competição de bastões. Não foi uma grande surpresa, a maioria dos espectadores havia apostado nele. A surpresa veio quando o coletor de apostas tentou distribuir os prêmios aos apostadores, e não encontrou sua bolsa.

— Mais uma! — O frade era a última pessoa consciente à mesa da competição de bebedeira, e o cervejeiro protestava:

— Você já ganhou a competição! Não pode continuar tomando cervejas de graça!

— O anúncio dizia "toda cerveja consumida"! O senhor está tentando tirar vantagem de um homem de Deus!

A confusão estava armada.

***

O xerife de Nothingham podia ser um covarde, mas ainda era um covarde mesquinho. Não perderia a chance de apostar e extorquir comerciantes durante o festival. E invariavelmente descobriria que Robin Hood estava na competição de tiro.

— Senhoras e senhores, contemplem! — Allan anunciou quando os homens do xerife apareceram na praça. — As adagas que tenho em minhas mãos foram as treze adagas utilizadas para esfaquear Júlio César!

Allan tirou de suas mangas e botas uma quantidade de adagas que na verdade era considerada ilegal. Não sabia quantas vezes Júlio César fora esfaqueado, mas tudo bem. Seu público não sabia quem era Júlio César. Normalmente, os rufiões não parariam para reparar em acrobacias, mas a presença de facas afiadas tornara o espetáculo subitamente interessante.

Eles não viram quando Robin Hood passou cuidadosamente pelas costas dos espectadores, afastando-se da carreira de tiro e indo em direção ao espetáculo principal da operação.

***

Alguma coisa estava muito errada. A competição de esgrima não costumava ser tão longa.

Marian assistia aflita enquanto Sir Kendrick prolongava a disputa com golpes que eram certamente contra as regras. O juiz fingia não ver. A nobreza o fazia pagar por falar gracinhas em frente ao Duque. Não conseguia desviar o olhar. Pensava em interromper o duelo, mas não sabia se isso evitaria que Will recebesse outra punição. Nessas horas, os títulos "jovem dama" e "filha do Duque" pareciam grilhões impedindo-a de se mover.

Uma flecha zuniu, ficando cravada no solo entre os dois espadachins. Uma voz veio dos telhados.

— Eu achei que era contra o código de conduta dos cavaleiros lutar contra alguém de posição inferior.

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